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Atividade física para prevenir a demência

Pesquisas mostram que movimentar o corpo é uma das principais formas de reduzir o risco de doenças neurodegenerativas

Por Fernanda Bassette – editada por Mariana Collini em 23/04/2025 

Em meio ao crescente número de casos de demência no mundo, a ciência tem apontado um aliado eficaz na luta pela preservação da saúde cerebral: o exercício físico. Pesquisas recentes mostram que manter o corpo ativo – inclusive com treinos de força (musculação) e não somente aeróbicos – pode ser uma das melhores estratégias para proteger o cérebro contra o declínio cognitivo e doenças neurodegenerativas, entre elas o Alzheimer.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 55 milhões de pessoas vivem com algum tipo de demência atualmente, e esse número pode triplicar até 2050. Enquanto medicamentos para tratar a condição ainda enfrentam desafios e limitações, a prevenção ganha destaque — e o exercício físico, seja ele estruturado ou espontâneo, está no centro dessa abordagem.

“O exercício físico é importante para a saúde como um todo porque promove efeitos em vários sistemas do nosso organismo, inclusive no nosso cérebro”, afirma a geriatra Claudia Suemoto, professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Banco de Cérebros da instituição.

Quais os mecanismos?

Um dos principais benefícios do exercício é a melhora da circulação sanguínea. O cérebro, órgão altamente sensível, depende de uma boa irrigação para funcionar corretamente. Quando há obstruções, como placas de gordura nos vasos, o fluxo de sangue pode ser comprometido, levando à morte de neurônios e, com o tempo, a perdas cognitivas.

“O exercício promove vasodilatação, ou seja, os vasos se dilatam e o sangue circula melhor, levando mais oxigênio ao cérebro”, explica Claudia. Além disso, a atividade física estimula a liberação de substâncias como a adrenalina, que tornam as artérias mais responsivas e melhoram ainda mais a circulação. A variação da frequência cardíaca durante o exercício – saindo do repouso para um ritmo mais acelerado – também contribui para esse efeito.

Outro grande trunfo do exercício está na sua capacidade de estimular a produção de neurotrofinas, substâncias relacionadas ao crescimento, desenvolvimento e sobrevida dos neurônios. A principal delas, o BDNF (fator neurotrófico derivado do cérebro), está diretamente ligada à neuroplasticidade – a incrível capacidade do cérebro de formar novas conexões e se adaptar ao longo da vida.

“A cada dia, perdemos e criamos novos neurônios. Quando somos jovens, nossa plasticidade é alta. Com o envelhecimento, ela diminui. O exercício físico ajuda a manter essa plasticidade ativa por mais tempo”, afirma a médica.

Reserva cognitiva

Esse processo também contribui para algo chamado reserva cognitiva, uma espécie de “poupança cerebral” que acumulamos ao longo da vida. Quanto maior essa reserva, maior a capacidade do cérebro de compensar os danos causados por doenças como o Alzheimer.

“O exercício físico ajuda a formar e reforçar essas redes de comunicação entre os neurônios. Isso significa que, mesmo que surjam lesões no cérebro, ele consegue funcionar melhor por mais tempo”, explica Claudia.

Além disso, hormônios e substâncias produzidos por outros tecidos e órgãos (como os músculos e o fígado) durante o exercício também têm impacto direto sobre a saúde cerebral, mostrando como o corpo trabalha em conjunto para manter o cérebro saudável.

O que a ciência diz?

Os efeitos positivos do exercício físico sobre o cérebro são amplamente documentados na literatura científica, especialmente os exercícios aeróbicos. No entanto, estudos mais recentes mostram que os treinos de força, como a musculação, também oferecem benefícios importantes.

Um artigo publicado na renomada revista científica The Lancet revisou os mecanismos neuroprotetores do exercício físico, com ênfase no treino de resistência. Entre os achados, está a associação entre altos níveis de aptidão cardiorrespiratória e a redução de até 40% no risco de desenvolver demência, além de menor mortalidade.

O trabalho confirmou o aumento sustentado do fluxo sanguíneo cerebral, redução da neuroinflamação e do estresse oxidativo, melhora da função mitocondrial (os pulmões das células), aumento do estímulo à plasticidade sináptica, entre outros benefícios.

O estudo aponta ainda que o exercício físico tem impacto na estrutura cerebral, com evidências de aumento do volume do hipocampo e espessamento cortical em idosos após intervenções com exercício. “Vários estudos têm demonstrado que as pessoas que fazem exercícios (principalmente aeróbicos) aumentam o tamanho do hipocampo e a camada cortical, o que sugere o aumento da reserva cognitiva”, diz Claudia.

Um estudo realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e publicado na revista GeroScience também chamou atenção: pesquisadores acompanharam por seis meses um grupo de pessoas com comprometimento cognitivo leve — um quadro que antecede a demência. Os participantes que praticaram musculação duas vezes por semana não só apresentaram melhora na memória como também tiveram proteção contra a atrofia do hipocampo e sinais de recuperação na saúde dos neurônios.

Já uma revisão feita por cientistas australianos e publicada no British Journal of Sports Medicine, com dados de 133 estudos e mais de 258 mil pessoas, reforçou que o exercício regular melhora funções como memória, raciocínio e foco em todas as idades. E mais: até atividades leves como caminhada, yoga e Tai Chi Chuan já oferecem ganhos cognitivos significativos.

Existem exercícios melhores?

A resposta é simples: o melhor exercício é aquele que você consegue fazer com frequência. “Qualquer prática nova exige esforço do cérebro para aprender, memorizar e automatizar os movimentos. Isso já é um estímulo cognitivo por si só”, explica Claudia.

Em outras palavras, toda atividade que fazemos pela primeira vez é difícil para o cérebro, que precisa de um esforço maior para lembrar os movimentos (o que os especialistas chamam de memória explícita) até que a ação se transforme num hábito automático (memória implícita ou de procedimento).

Alexandre Okano, doutor em Educação Física e professor do curso de Neurociência da Universidade Federal do ABC (UFABC), concorda: “Não existe um tipo de exercício melhor que o outro. Todos têm impacto positivo sobre a saúde mental.”

O que importa mesmo é sair do sedentarismo. “Não adianta ir à academia por uma hora e passar o resto do dia sentado”, afirma o professor. “Um trabalhador de escritório que passa horas sentado, quando chega ao fim do expediente, pode estar com a circulação sanguínea para o cérebro diminuída. Isso tem consequências negativas para a cognição, pode causar fadiga e afetar o estado mental e psicológico”, acrescenta.

A recomendação da OMS é realizar pelo menos 150 minutos de exercícios de moderada intensidade por semana, e vários estudos têm demonstrado a importância de quebrar o tempo prolongado em que ficamos parados. “A literatura mostra que, a cada 30 minutos sentado, é importante realizar uma pausa de 5 minutos para se movimentar”, alerta Okano.

Pensando na dificuldade que as pessoas enfrentam para realizar pausas no trabalho a cada 30 minutos, Okano vai começar um estudo na UFABC para avaliar o efeito da estimulação elétrica muscular como estratégia para interromper o tempo sentado prolongado.

“A ideia é que não haja necessidade de interromper o trabalho a cada 30 minutos porque o músculo estará ‘trabalhando’ sozinho”, diz o professor. Alguns trabalhos mostraram que a estimulação elétrica nos músculos das pernas provoca aumento do fluxo sanguíneo para o cérebro, beneficiando a função cognitiva.

Segundo Claudia, iniciar uma atividade física beneficia o cérebro independentemente da idade, mas praticar exercícios de forma regular desde mais jovem oferece os maiores ganhos para a redução do risco de declínio cognitivo no longo prazo. “Criar reserva cognitiva é bom em qualquer idade”, finaliza.

https://www.estadao.com.br/saude/como-o-exercicio-fisico-afasta-a-demencia-ha-atividades-mais-indicadas-confira/

Foto: Erika/Adobe Stock/Gerado com IA

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