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Em março de 2021, o Estadão publicou um artigo relatando a preocupação de cientistas com a disseminação descontrolada do coronavírus no Brasil, naquele momento. Isso poderia fazer do País uma “incubadora” de novas variantes do Sars-CoV-2, dizia o texto. Conforme a campanha de vacinação avançou, mais de 65% já receberam as duas doses até dezembro, então as preocupações nesse sentido diminuíram.
Mas, infelizmente, isso ainda ocorre nos países pobres, onde pouquíssima gente teve acesso à vacina. Foi no Sul do continente africano que a mais recente variante de coronavírus, a ômicron, supostamente surgiu.
Estima-se que apenas 3,5% das pessoas nos países de renda baixa tenham completado o ciclo vacinal contra a covid-19 — índice que chega a 30% em países de renda média-baixa e se aproxima de 70% nos de renda alta. Com isso, o vírus continua se espalhando sem controle e encontra terreno fértil para desenvolver novas mutações, como a ômicron.
Uma questão matemática
De modo geral, os vírus podem apresentar entre uma e duas mutações por mês durante uma epidemia. No caso das variantes de preocupação, como a ômicron, as mutações podem passar de 50, tornando o vírus muito mais ameaçador. Com suas “novas habilidades”, o vírus pode se tornar mais transmissível ou escapar dos anticorpos adquiridos com vacinas e infecções.
Essa enxurrada de mutações que causa uma nova variante de preocupação necessita de uma “tempestade perfeita” — uma união de fatores, incluindo alta taxa de transmissão do vírus. Se o vírus está circulando muito, há mais chances dessa tempestade acontecer. É o caso de Manaus com a variante P.1 no início do ano, da Índia com a variante delta e o da África com a ômicron.
Mesmo que as variantes de preocupação da covid-19 surjam em países de baixa renda, elas logo se espalham pelo mundo. Caso uma dessas evoluções seja mais transmissível ou escape das vacinas totalmente, todo o esforço mundial para controlar a pandemia pode ser em vão. A ômicron causou sua primeira morte no Reino Unido, agora em meados de dezembro de 2021.
Desigualdade é a maior incubadora de variantes
Por um lado, é possível dizer que não havia como evitar o surgimento da ômicron, pois o vírus se desenvolve gerando mutações com grande eficiência. Mas por outro, diversos especialistas dizem que a desigualdade na distribuição mundial de vacinas fez os países pobres virarem incubadoras de novas variantes da covid-19.
Em um artigo de opinião para o jornal britânico The Guardian, a dra. Meru Shell, da Universidade Nacional da Austrália, argumentou que a concentração de vacinas em países mais ricos é um dos principais responsáveis pelo surgimento de variantes em regiões pobres. Não apenas pelo difícil acesso às doses, mas também pela ausência de estrutura logística e de armazenamento, além da falta de profissionais qualificados e outros insumos para aplicação (como seringas).
Esse argumento é ecoado por outros especialistas, como Ayoade Alakija, codiretora da Aliança Africana para a Distribuição de Vacinas. Em entrevista à BBC, ela foi categórica: “o surgimento dessa variante foi inevitável, e isso ocorreu devido à falta de vacinação e ao acúmulo de vacinas pelos países desenvolvidos”, ela disse.
Iniciativas como o consórcio Covax, apoiado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), encontraram muito menos apoio do que o necessário, pois dos 2 bilhões de doses previstas para os países mais necessitados de vacinas, cerca de 800 milhões serão entregues até o fim de 2021. Além disso, a estratégia de aplicar doses de reforço para evitar a contaminação pela ômicron faz sobrar um número ainda menor de vacinas para as regiões pobres.
Em vista disso, a própria OMS defende uma distribuição de vacinas para primeira dose antes que eventuais reforços sejam aplicados nos países desenvolvidos. Cientistas, como a dra. Shell, sugerem ainda a quebra de patentes, a cessão de propriedades intelectuais e a transferência de tecnologias como solução para fabricar mais vacinas e imunizar o mundo todo contra a covid-19.
Fonte: The Guardian, Estadão, WAM (Agência de Notícias dos Emirados Árabes), BBC, Estadão.