Dois tratamentos para a covid-19, realizados por instituições de São Paulo (SP), estão em fase experimental no Brasil. Uma pesquisa testa a eficácia do uso de heparina para casos graves da doença; a outra verifica a aplicação de plasma sanguíneo de pessoas recuperadas para tratamento de pacientes ainda com a infecção.
A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) já autorizou os hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, além da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a iniciarem os testes em humanos com o plasma sanguíneo. A pesquisa no Brasil utiliza os mesmos parâmetros da Universidade Johns Hopkins, que faz os estudos com plasma nos Estados Unidos.
O uso do anticoagulante heparina ainda aguarda a finalização de um protocolo experimental, que está sendo preparado pelos profissionais do Hospital Sírio-Libanês, para ser avaliado em breve pela Conep. O estudo nacional é baseado em uma pesquisa chinesa que utilizou a substância para diminuir a mortalidade entre pacientes com covid-19.
Tratamento com plasma sanguíneo
As pesquisas com plasma sanguíneo para tratamento de doenças já existem há mais de cem anos. Cientistas acreditam que o plasma de uma pessoa já recuperada pode ajudar um paciente em tratamento porque já contém anticorpos contra a infecção. Conhecida como transferência passiva, a terapia irá fornecer os anticorpos necessários para combater a infecção em pacientes que ainda não desenvolveram as defesas. Se funcionar, o procedimento pode levar à diminuição do vírus no organismo e à melhoria dos sintomas da covid-19.
Após a liberação de estudos do plasma sanguíneo com pacientes pela Food and Drugs Administration (FDA), o órgão norte-americano responsável pela liberação de medicamentos, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou uma nota técnica para orientar pesquisadores e médicos do Brasil.
A Anvisa alerta, apesar dos resultados promissores do uso do plasma convalescente como tratamento experimental no combate à covid-19, que as pesquisas ainda “são insuficientes para a comprovação definitiva sobre a eficácia potencial do tratamento, requerendo uma avaliação mais aprofundada na forma de estudos clínicos”.
O órgão orienta os pesquisadores a entrarem em contato com serviços de hemoterapia para obterem o plasma convalescente. Além disso, os cientistas devem seguir rigorosamente os critérios técnicos para doação, testes laboratoriais, processamento, armazenamento, transfusão de sangue e manejo de eventos adversos, conforme regras da própria Anvisa e do Ministério da Saúde.
Realização de estudos clínicos
Os estudos clínicos que envolvem humanos começaram a ser realizados nesta segunda-feira (6), em São Paulo. As instituições devem fazer uma triagem de possíveis doadores de plasma, que devem ter anticorpos neutralizantes, que são moléculas capazes de combater a infecção.
Estão aptas a doar o plasma as pessoas que reúnem as seguintes condições: tiveram covid-19 há mais de 15 dias e menos de 45 dias, não apresentam mais sintomas da doença e tiveram confirmação por exames de laboratório de infecção pelo coronavírus, mas que não apresentam mais material genético do vírus no organismo.
As infusões de plasma podem ser recebidas, dentro da pesquisa experimental, por pacientes graves internados em leitos de unidade de terapia intensiva (UTI) ou semi-intensiva, em um período anterior à intubação. Para participar do estudo, os pacientes não devem ter apresentado nenhuma resposta imunológica durante o pico da doença.
Tratamento com anticoagulante
O tratamento com heparina, que será pesquisado pelo Hospital Sírio-Libanês, teve um resultado promissor na redução de mortes entre pacientes com predisposição a distúrbios de coagulação na China. Os resultados obtidos por cientistas chineses foram publicados no Journal of Thrombosis and haemostasis em 27 de março.
O estudo asiático concluiu que a heparina ajuda na recuperação da covid-19 em casos específicos, pois uma das complicações possíveis do coronavírus é um quadro de coagulação intravascular e tromboembolismo venoso. Os cientistas compararam retrospectivamente a morte entre usuários de heparina e não usuários, durante 28 dias, no Hospital de Tongjii, em Xangai. Entre 499 pacientes graves com covid-19, 99 receberam heparina por sete dias ou mais. De forma geral, a substância não teve efeito relevante no tratamento, e a mortalidade entre os pacientes que usaram a substância foi de 30,3%, enquanto a de não usuários foi de 29,7%.
No entanto, uma diferença significativa foi percebida entre os pacientes que apresentaram um quadro de coagulação intravascular: os tratados com heparina tiveram mortalidade de 40%, enquanto sem ela o índice de mortes foi de 64,2%. Entre os pacientes com tromboembolismo venoso, a mortalidade com o uso da substância foi de 32,8%, enquanto sem ela o índice foi de 52,4%.
Fonte: Estadão, Anvisa, Pubmed.