Em quase oito meses da pandemia do novo coronavírus, o mundo está perto de passar a marca de 22 milhões de infectados e 800 mil mortos. Só no Brasil, até o período de 20 de agosto, cerca 3,5 milhões de pessoas contraíram a covid-19, contabilizando mais de 112 mil óbitos. Os casos mais graves necessitam de internamento em terapia intensiva, e devido a isso a pandemia mostrou que esse cenário ainda é bastante desigual no Brasil.
No começo do ano, o País contava com 46 mil Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Elas eram distribuídas quase igualitariamente entre a rede particular e o Sistema Único de Saúde (SUS). Desde então, cerca de 20 mil novos leitos foram abertos para atender à alta demanda de pacientes com covid-19.
Entretanto, esses leitos foram feitos para dedicação exclusiva da doença. Com isso, outras enfermidades ainda contam com a mesma quantidade de UTIs do começo de 2020, expondo a desigualdade nos sistemas de saúde.
“Necessitamos de políticas públicas que facilitem o acesso dos pacientes às unidades de terapia intensiva. As estratégias para enfrentar a covid-19 mostraram que é possível ampliar a oferta dos serviços”, analisa Mauro Ribeiro, presidente do Conselho Federal de Medicina, em artigo publicado no site da entidade.
Recomendações internacionais
“Todo mundo está perplexo com a falta de leitos de UTI, estarrecido com a falta de respiradores. A polêmica do último leito e de quem usará o único respirador que tem é antiga. Isso nós vivemos há muito tempo”, alertou o médico Elias Knobel, do Hospital Israelita Albert Einstein, em entrevista realizada à Associação de Medicina Intensiva Brasileira, em maio.
Por conta da idade, 76 anos, Knobel não atuou na linha de frente do combate à pandemia, mas acompanhou os preparativos do hospital. “Já passei situações difíceis e semelhantes na minha carreira, como na época em que apareceu a Aids, com a epidemia de meningite em 1974 e o H1N1 mais recentemente”, explicou o veterano. Ainda assim, ele ressalta que a atual crise pegou os especialistas relativamente de surpresa, principalmente pela demora da Organização Mundial da Saúde (OMS) em declarar estado de pandemia.
Em março, a especialista em doenças respiratórias Mei Fong Liew, de Cingapura, publicou um artigo no BioMedCenter (BMC) detalhando procedimentos que o resto do mundo poderia implementar nas UTIs, com base no que estava sendo vivenciado por lá. Além do aumento do número de leitos, seria necessário preparar a equipe e ampliar a proteção individual – na epidemia de H1N1, em 2009, cerca de 20% dos infectados trabalhavam na saúde.
Quantidade mínima
Atualmente, o Brasil conta com 66,7 mil leitos de UTI (públicos ou privados). Isso representa 45% a mais do que no começo do ano. Porém, pelos novos leitos serem exclusivos ao tratamento da covid-19, a defasagem no tratamento das outras doenças continua existindo.
“Com frequência testemunhamos hospitais com alas vermelhas superlotadas, repletas de pacientes improvisadamente entubados e à espera de infraestrutura apropriada para cuidados intensivos”, salientou Ribeiro. Muitos dos novos leitos são temporários ou em hospitais de campanha, que podem ser desativados com a diminuição do número de pacientes.
A OMS orientava, antes da pandemia, que a oferta de leitos de UTI deveria ser de 10 a 30 para cada 100 mil habitantes. Essa orientação era seguida pela portaria nº 1.101, de 2002, do Ministério da Saúde, mas a especificação caiu quando a portaria foi substituída pela nº 1.631, de 2015.
Cidades sem UTI
A realidade nacional, porém, é bastante diferente. Ao menos 14 estados brasileiros, principalmente do Norte e do Nordeste, não atingem a recomendação mínima da OMS.
Outro problema é que a distribuição das unidades é irregular entre os sistemas públicos e particulares de saúde. Na média geral do País, existem 11 leitos para 100 mil habitantes no SUS, mas, na rede particular, esse número sobe para 50 a cada 100 mil beneficiários de planos de saúde. Atualmente, apenas 22% da população brasileira possui algum plano.
O Sudeste concentra a maior quantidade de leitos: 24.621 das UTIs nacionais do SUS (52% do total). Já o Norte é o que tem apenas 5% deles, com 2.489, apresentando casos graves como o do Amapá e de Roraima, que, juntos, possuem apenas 72 UTIs. Outro dado preocupante é que 90,2% das 5.570 cidades brasileiras não possuem nenhum leito sequer, com pacientes sendo encaminhados a capitais ou a municípios maiores.
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Fontes: Conselho Federal de Medicina, Associação de Medicina Intensiva Brasileira e Instituto Butantan.