A pandemia do novo coronavírus não gerou impacto apenas na quantidade de leitos ou no aumento do número de internações; a quantidade de transplantes caiu em 2020, principalmente dos processos considerados não emergenciais. Isso encerrou um ciclo de crescimento anual, já que no ano passado houve elevação de 2,5% em relação a 2018.
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O Paraná liderou o ranking no primeiro semestre deste ano. Com 47,2 doações por milhão de população (pmp), o estado está bem acima da média nacional, que é de 18,4 pmp. Isso representa aumento de 10,3% em relação ao mesmo período de 2019; porém, a partir de março, o cenário se inverteu, registrando forte queda no número de procedimentos.
De acordo com a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO), abril teve 34% menos transplantes do que o mesmo período do ano passado, em um reflexo direto da pandemia de covid-19, que afetou o Brasil principalmente a partir de março.
“Conseguir um órgão é um ato heroico. No cenário atual, os critérios para validação das doações e coleta dos órgãos ficam mais difíceis”, analisa Nertan Tefilli, que trabalha no setor de transplante do Hospital São Vicente, em Curitiba (PR), em entrevista ao Saúde Debate.
Mudança nas diretrizes
Novas regras para a doação deixaram o processo ainda mais complicado. Além da liberação da família para o procedimento, algo que cerca da metade não aprova, há a preocupação com a questão da covid-19. Pessoas que tinham interesse de se tornarem doadoras, mas faleceram em decorrência da nova doença, são recusadas no processo. O mesmo vale para quem vem a óbito com a suspeita do novo coronavírus.
Na doação entre indivíduos vivos, é preciso que o doador não tenha tido contato com pacientes suspeitos ou confirmados de covid-19. Além disso, é necessário realizar o teste antes de a cirurgia acontecer. Por fim, no caso de doador que foi infectado, é preciso esperar 28 dias antes de se realizar o procedimento.
Os exames também são aplicados em quem necessita de transplante. Em caso de confirmação da covid-19, a operação deve ser adiada. O teste é feito em todos os envolvidos, mesmo que não apresentem sintomas da nova doença.
“Aos pacientes que seguem aguardando em lista, tenham a certeza de que a equipe médica considera caso a caso o risco da realização do transplante, e que a oportunidade de receber um órgão é ainda mais valiosa em tempos de pandemia”, explica Tefilli.
Mais razões para a queda
Outros fatores indiretamente relacionados à pandemia também reduziram a quantidade de transplantes. O número de acidentes de trabalho que geram óbito diminuiu, gerando consequência nos números de transplantes realizados.
Durante a pandemia, aumentou a quantidade de famílias que autorizam o procedimento. A necessidade de realizar o teste para a covid-19 no ente falecido pode atrasar a realização de velório e enterro em mais de 12 horas, levando muitos parentes a desistirem da autorização.
Também há pessoas que, por mais que necessitem de um transplante, estão receosas de se internarem para um procedimento enquanto o número de casos de covid-19 continua aumentando nas grandes cidades brasileiras. O ambiente hospitalar é um dos mais propícios a infecções, por isso as cirurgias eletivas foram suspensas, e isso se reflete nos transplantes não urgentes.
“Deve ser observado que o sistema imunológico do paciente é bloqueado pelas medicações necessárias ao transplante, impedindo que o corpo combata ativa e eficazmente uma possível infecção”, explicam o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em nota publicada em abril.
Mortes em casa
Vítimas de acidente vascular cerebral (AVC) são potenciais doadoras, porém, com a pandemia, muitas temem a ida ao hospital por conta da covid-19 e acabam morrendo em casa, impossibilitando o transplante. O número de mortes violentas também diminuiu nos primeiros meses da pandemia, afetando as doações. Os transplantes de coração, rim, fígado, pâncreas e pulmão foram os mais comprometidos.
No fim de abril, praticamente todos os pacientes internados na ala de transplantes renais do Hospital das Clínicas de São Paulo acabaram se contaminando com a covid-19. Acredita-se que eles tenham contraído através de profissionais da saúde assintomáticos, o que fez o hospital parar temporariamente todos os procedimentos de doação. O mesmo foi notado em diversas outras capitais brasileiras.
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Fontes: Saúde Debate, Secad, Agência Brasil e Anvisa