A ausência de determinados medicamentos nas farmácias brasileiras tem chamado a atenção nos últimos meses, sendo difícil encontrar alguns fármacos, como é o caso dos antibióticos. Em julho, o desabastecimento de alguns rótulos “famosos”, como amoxicilina e azitromicina, foi relatado por mais de 70% dos farmacêuticos do Estado de São Paulo. Dados da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) mostram que mais de 65% das cidades do Brasil sofreram com a falta de remédios em agosto de 2022.
O que pode estar causando isso? Por que situação se agravou em 2022? Existem vários fatores que contribuem para esse cenário. Confira-os a seguir.
Ausência de indústria nacional e alta carga tributária
Assim como em outras áreas da economia, a indústria farmacêutica brasileira é muito dependente de insumos externos, principalmente da China e da Índia. Isso foi observado durante a espera por vacinas na pandemia de covid-19, já que laboratórios e institutos nacionais precisaram aguardar que a matéria-prima chegasse de outros países para produzir o imunizante. A falta de produção interna faz que as variações no dólar sejam muito impactantes nos preços e na capacidade de compra das empresas brasileiras.
Com antibióticos e outros remédios, ainda existe outro agravante: pagamos um dos impostos mais altos do mundo. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, em 2018 a carga tributária sobre remédios no Brasil era de 33%. Esse número é cinco vezes maior do que a média mundial, de 6%. Alguns países, como França e Estados Unidos, cobram menos de 3% sobre o valor total.
A mistura desses três fatores gera uma explosão nos preços com o cenário atual: a China ainda lida com lockdowns severos que limitam a capacidade de produção de insumos dos medicamentos; a guerra da Rússia na Ucrânia fez o dólar ficar mais caro; e a alta carga tributária impacta ainda mais o preço final quando o custo inicial cresce. O preço foi para as alturas, mas isso, por si só, não explica o sumiço dos produtos das prateleiras. Se fosse o caso, haveria apenas aumento nos preços, como foi sentido na gasolina e nos alimentos durante a pandemia.
O controle de preços pode estar ligado ao desabastecimento
No Brasil, assim como em vários outros países, os medicamentos têm o preço controlado por lei. Em 2003, foi criada a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), que passou a cumprir essa função. Portanto, as farmácias não podem aumentar o valor de medicamentos a qualquer momento, devendo respeitar as listas de valores máximos da CMED. Em um período normal, essa medida não costuma causar problemas e ainda ajuda a diminuir o preço de vários produtos.
Porém, em momentos de crise mundial, esse controle pode causar desabastecimento, já que as empresas nacionais não conseguem obter lucro dentro da margem com o preço dos insumos importados nas alturas. Quando o custo de produzir um bem ou serviço se torna mais caro do que o valor possível de venda, atuar no mercado deixa de valer a pena para muitas companhias. Outro ponto é que, como existem países que não controlam preços, vale mais a pena para os produtores de insumos vender para eles e obter uma margem de lucro maior.
Essa hipótese explica o fato de o aumento de preços no Brasil não ser tão visível quanto o desabastecimento. Em abril, a CMED aprovou aumento de 10,89%, menos de 1% acima da inflação registrada no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Cortes no programa Farmácia Popular
Outro fator que pode ter levado ao sumiço dos medicamentos é o recente corte de 59% no orçamento do programa Farmácia Popular, do governo federal, no qual a maioria dos remédios fornecidos é destinada ao tratamento de hipertensão e diabete. O orçamento de 2022 foi de aproximadamente R$ 2 bilhões, enquanto o valor aprovado para 2023 é de pouco mais de R$ 800 milhões.
Com a falta de verba, vários medicamentos que eram subsidiados e chegavam gratuitamente para a população tiveram o valor afetado. Esse aumento de preço torna muitos deles inacessíveis para pessoas com menor poder aquisitivo, o que diminui a demanda nas farmácias.
Fonte: ICTQ, Estadão