Desde Hipócrates, o sigilo é considerado um dos princípios fundamentais do trabalho de todos os médicos. Diversas legislações brasileiras, como o “Código Penal” e o “Código de Processo Civil”, proíbem os depoimentos de pessoas que precisam guardar segredos por conta de sua profissão, o que inclui os médicos, portanto.
O “Código de Ética Médica”, cuja versão mais atualizada foi publicada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em 2019, cita a questão do sigilo já em suas disposições gerais: “O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detém conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei”.
O documento ainda dedica outra sessão inteiramente para esse assunto, orientando os profissionais a não revelar informações de seus pacientes, “salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente”.
No entanto, compreende-se que existem exceções que permitem a quebra do sigilo médico. Contudo, sendo esse tema bastante amplo, ele também gera muitas dúvidas em profissionais da Saúde. Afinal, em quais casos o sigilo pode ser quebrado?
Quais são os cuidados que o médico precisa ter especialmente em tempos de compartilhamento generalizado de todo tipo de informação nas redes sociais? O conselheiro Hermann von Tisenhausen, do CFM, oferece um bom caminho para elucidar essas questões, em entrevista para uma publicação do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp): “A quebra do sigilo deve ser exceção, nunca regra”.
Um segredo quase inviolável
O caso mais simples em que o sigilo médico pode ser quebrado é quando há o consentimento do paciente. Entretanto, isso não permite aos profissionais que publiquem informações ou prontuários a revelia nas redes sociais —, uma vez que isso também é vedado pelo Código de Ética Médica em sua seção sobre esse assunto. Qualquer divulgação deve ser feita apenas para fins acadêmicos ou assistenciais.
Contudo, os profissionais não precisam observar o sigilo quando sua manutenção representa algum risco a outras pessoas, à sociedade ou ao próprio paciente. Um exemplo clássico disso é o do médico do trabalho que diagnostica epilepsia em um candidato à motorista de ônibus. É dever do médico avisar que tal pessoa não é apta à função. Também é o caso de quaisquer doenças infecciosas cuja notificação é compulsória, como o HIV, e do profissional observar maus-tratos a seu paciente.
Esse segundo grupo de casos — que se enquadram dentro da definição de “motivo justo ou dever legal”, do Código de Ética Médica — costuma ser o mais complicado, uma vez que a linha entre um motivo justo ou não pode ser bastante tênue.
Dessa maneira, como observa um artigo publicado pelo Cremesp, a quebra do sigilo deve ser vista sempre como o último recurso. Afinal, mesmo quando é justificável, a quebra ainda configura o descumprimento de uma regra.
“Para tentar chegar à atitude mais justa, o médico precisa ponderar o dano causado pela inviolabilidade do sigilo e o pela violação”, declara Henrique Carlos Gonçalves, conselheiro do órgão. Em casos de dúvidas, os profissionais podem recorrer a seus colegas ou aos conselhos.
Pesquisas apontam que assunto precisa ser mais divulgado
Justamente por ser uma questão complexa, exemplos de dilemas éticos envolvendo o sigilo médico costumam ser debatidos até a exaustão em disciplinas de ética nos cursos de Medicina. Baseando-se nelas, três pesquisadores do Departamento de Medicina da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc) se propuseram a entender como a confidencialidade era compreendida por estudantes e profissionais já formados.
Ao se deparar com dezenas de perguntas envolvendo dilemas éticos sobre o sigilo, os alunos que haviam cursado as disciplinas de ética tiveram um percentual de acertos maior do que os profissionais formados, embora estes também tenham acertado uma quantidade razoável de questões.
Portanto, os pesquisadores concluíram que as matérias sobre ética na graduação são eficazes, embora haja “a necessidade de divulgar o assunto entre profissionais da Saúde, tanto em congressos e revistas científicas como nas orientações dos conselhos de medicina”.
Em outro estudo, apresentado como parte de uma tese de mestrado na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), foi aplicado um questionário sobre compartilhamento de informações nas redes sociais a alunos, residentes e docentes de Medicina da instituição.
A pesquisa descobriu que os residentes eram os que mais compartilhavam informações de pacientes nas redes sociais, embora o estudo tenha concluído que “o conhecimento sobre as regras de confidencialidade foi baixo nos três grupos”.
As redes sociais, em especial, são ferramentas que demandam cuidado, uma vez que qualquer informação publicada nelas pode ser compartilhada infinitamente, tornando uma possível quebra de sigilo ainda mais grave. “Os profissionais precisam se lembrar de que, antes da rede, tem o Código de Ética Médica“, declarou Sílvio Eduardo Valente, especialista em direito médico, ao jornal Estadão.
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Fontes: Novo Código de Ética Médica (CFM), Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), Guilherme de Souza Nucci (via Consultor Jurídico), Brasil Jurídico, Jus.Com.Br, Estadão, Scielo e Unifesp.