À medida que o novo coronavírus avança pelo mundo — são cerca de 3,8 milhões de casos confirmados até 8 de maio, de acordo com painel divulgado pelo Estadão — os especialistas conseguem ter mais dados para estudar as mais variadas características da pandemia e como enfrentá-las.
Nesse sentido, tem sido apontada a necessidade de analisar os efeitos da pandemia pelo viés do gênero, principalmente no que se refere às questões econômicas e sociais.
Ainda em março, quando ocorreu a mudança na classificação da covid-19 para pandemia, a ONU Mulheres publicou um documento sobre o assunto, destacando diversas medidas para manter a igualdade de gênero durante a pandemia. Essas serão analisadas considerando o gênero, por exemplo: a necessidade de medir as infecções, de contabilizar os óbitos e de alocar recursos suficientes na saúde pública para que todos sejam atendidos, incluindo mulheres e meninas.
Desde esse momento, o órgão sinalizou uma preocupação com as trabalhadoras informais e domésticas — que estariam mais suscetíveis a questões econômicas decorrentes das medidas de isolamento social — e também com as profissionais da saúde. Nesse setor, grande parte da força de trabalho é composta de mulheres, fazendo do gênero um fator crucial na discussão sobre os efeitos da pandemia.
Estudos apontam a necessidade de analisar a pandemia pelo viés do gênero. (Fonte: Unsplash)
Mulheres são maioria na linha de frente, mas minoria nas decisões
De acordo com dados divulgados pela ONU Mulheres, 70% da força de trabalho que está combatendo diretamente a covid-19 é feminina. Contudo, as mulheres compõem apenas um quarto dos grupos que decidem políticas públicas de enfrentamento.
Essa situação pode ser observada aqui mesmo no Brasil: 84,6% dos profissionais de enfermagem são mulheres, de acordo com o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), porém apenas uma ministra — Damares Alves, que chefia a pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos — faz parte do gabinete que coordena as decisões relacionadas à covid-19 no governo federal.
“Essa falta de representação em postos de liderança resulta em um fracasso no atendimento às necessidades de mulheres e meninas, assim como nas epidemias de ebola e zika”, explica Elena Marban, pesquisadora do Barcelona Institute of Global Health.
A comparação com outras crises sanitárias é esmiuçada em um artigo publicado pelo periódico médico The Lancet. As três pesquisadoras autoras do artigo afirmam que, além de compor a maior parte da força de trabalho que combate diretamente essas doenças, as mulheres também têm papéis predominantes no cuidado de suas famílias. De acordo com análises publicadas pelo Banco Mundial, as mulheres latinas investem tempo em tarefas domésticas até três vezes mais do que os homens.
Mulheres ficam mais sobrecarregadas em situações como a pandemia de covid-19. (Fonte: Pexels)
Dessa maneira, elas seriam especialmente sobrecarregadas pelos desdobramentos da pandemia, principalmente considerando que boa parte do seu trabalho é mal- remunerada. O fechamento das escolas e os cuidados necessários com as crianças em casa são outros fatores que agravam a situação.
Além disso, o texto menciona os desafios financeiros sofridos por muitas trabalhadoras informais, principalmente as que fazem serviços domésticos, aumentando as disparidades econômicas entre homens e mulheres. De acordo com as pesquisadoras, foi possível observar que essas diferenças resultaram um acesso inadequado aos serviços de saúde, durante o surto de zika, em 2016.
Pandemia aumenta desigualdades de gênero
As questões citadas nos artigos — presença no setor de saúde, trabalho informal, diferenças econômicas e maior participação nos cuidados domésticos — são recorrentes na sociedade, mas se tornam mais evidentes em uma situação como a da pandemia de covid-19, demandando também uma resposta mais enérgica do poder público.
Como analisa a representante da ONU Mulheres, Ana Güezmes, em entrevista para o jornal espanhol El País, “desde o início as respostas às epidemias precisam incluir uma abordagem de gênero. Isso porque os impactos das epidemias acentuam as desigualdades de gênero”.
Além das questões citadas, Güezmes chama atenção para o fato de que boa parte da mulheres latinas não possuem renda própria — sendo economicamente dependentes de outras pessoas, como companheiros — e encaram o problema da violência doméstica, que infelizmente pode aumentar com o isolamento.
O próprio diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, fez um alerta nesse sentido, em um comunicado divulgado no dia 16 de abril de 2020: “Essa deve ser uma área de atenção para todos os países”.
Dessa maneira, é ponto de comum acordo que as mulheres deveriam participar mais das decisões sobre o enfrentamento da pandemia, de modo que a desigualdade de gênero também possa ser combatida.
“Embora as mulheres não devam ser ainda mais sobrecarregadas, incorporar vozes e conhecimento de mulheres pode ser empoderador e melhorar a resposta à epidemia”, as autoras concluíram o artigo publicado no jornal The Lancet.
Fonte: ONU Mulheres, The Lancet, El País, BBC Brasil, The Guardian e Banco Mundial.