Nota destaca que conduta põe em risco políticas de imunização
Bernardo Costa e Maria Eduarda Nascimento – editada por Mariana Collini em 19/11/2025
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o Ministério da Saúde divulgaram nota conjunta nesta terça-feira, 18, contra o que chamaram de “farsa anticiência”. A nota manifesta “preocupação” e “firme repúdio” à atuação de médicos antivacina revelada em reportagem do Estadão Verifica.
A nota, intitulada “Brasil se une contra farsa anticiência que ameaça vacinas e explora a população”, repercute o conteúdo da reportagem e afirma que médicos têm usado uma “tese inventada” sobre a existência de uma suposta “síndrome pós-spike” atribuída às vacinas de covid para faturar com a venda de cursos, consultas e tratamentos sem eficácia.
“Isso é extremamente preocupante. Criar uma doença fictícia para lucrar com o medo das pessoas é uma violação ética grave e coloca a população em risco. Quem espalha esse tipo de mentira enfraquece campanhas de vacinação, confunde famílias e ameaça principalmente crianças, idosos e pessoas com doenças crônicas”, diz trecho da nota (íntegra abaixo).
A nota ainda reforça que o Código de Ética Médica proíbe divulgar tratamentos sem comprovação, usar linguagem sensacionalista ou oferecer métodos sem evidência “só para atrair pacientes”. “Quando isso acontece, a sociedade inteira fica exposta. Quando profissionais rompem esses limites, não apenas traem a confiança da sociedade, colocam vidas em risco. Negacionismo não é opinião, é uma ameaça real à saúde”, diz o texto, que reafirma que a ciência já demonstrou amplamente que as vacinas contra a covid são seguras, eficazes e salvaram milhões de vidas.
A reportagem
Na última sexta-feira, 14, o Estadão Verifica mostrou como médicos que boicotaram a vacinação contra a covid-19 faturam com conteúdos, cursos, consultas particulares e com a venda de medicamentos para tratar uma suposta síndrome sobre a qual não existe comprovação científica.
Os médicos Francisco Cardoso, Roberto Zeballos e Paulo Porto de Melo publicaram um estudo na revista IDCases com um protocolo para tratar o que chamam de “síndrome pós-spike” ou “spikeopatia”, condição que seria causada pela proteína spike, produzida no corpo pelas vacinas de RNA mensageiro, e que teria sintomas semelhantes aos da covid longa.
A existência da “spikeopatia”, porém, não é comprovada pela comunidade científica. O estudo publicado pelos médicos foi retirado de publicação pela editora Elsevier devido ao risco da disseminação de protocolos de tratamento não validados e por não haver comprovação de relação entre a suposta doença e vacinas.
No domingo, 16, após publicação da reportagem na edição impressa do Estadão, o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, fez uma postagem na rede social X sobre o assunto. Ele afirmou que o governo não seria tolerante com o negacionismo e que o órgão, junto com a Advocacia-Geral da União (AGU), adotaria “medidas cabíveis”.
Em entrevista ao Estadão, Padilha afirmou que o ministério prepara medidas em quatro frentes contra os médicos envolvidos. Dentre as medidas está a representação criminal na Justiça contra esses profissionais.
Na nota conjunta desta terça-feira, o Ministério da Saúde reafirma que, em parceria com a Advocacia-Geral da União (AGU), “será feito tudo o que for possível, do ponto de vista jurídico, para impedir que esses profissionais continuem espalhando mentiras sobre vacinas e ainda lucrando com isso”.
Nesta terça-feira, a AGU disse ao Verifica que “aguarda a conclusão de análises técnicas e o envio de subsídios por parte do Ministério da Saúde para iniciar a adoção das medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis”.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) disse que “não se manifestará sobre o assunto por se tratar de casos concretos”. Já o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) – órgão no qual Zeballos, Cardoso e Paulo Porto possuem registro – informou que “todas as denúncias encaminhadas ao conselho são devidamente apuradas e tramitam sob absoluto sigilo”.
Médicos antivacina usam redes para faturar com “síndrome pós-spike” sem comprovação científica
O que a ciência sabe até agora sobre o efeito da proteína spike no corpo
Curso antivacina de médico do CFM sai do ar após reportagem do Estadão Verifica
Texto da nota na íntegra
Confira a nota da SBPC, ABC e Ministério da Saúde na íntegra:
BRASIL SE UNE CONTRA FARSA ANTICIÊNCIA QUE AMEAÇA VACINAS E EXPLORA A POPULAÇÃO
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e o Ministério da Saúde (MS) manifestam preocupação e firme repúdio à disseminação de alegações infundadas sobre uma suposta “síndrome pós-spike”, como noticiado pelo Estadão. Essa condição tem sido apresentada por alguns profissionais como se fosse consequência das vacinas contra a Covid-19, mas essa doença não existe. Não há qualquer base científica que sustente tal afirmação, tampouco reconhecimento por parte de instituições sérias no Brasil ou no mundo. Anvisa, OMS, FDA e EMA, autoridades sanitárias e organismos internacionais de referência não reconhecem nem validam essa alegação.
Mesmo sem qualquer comprovação, alguns profissionais têm usado essa tese inventada para vender cursos, consultas e tratamentos sem eficácia. Isso é extremamente preocupante. Criar uma doença fictícia para lucrar com o medo das pessoas é uma violação ética grave e coloca a população em risco. Quem espalha esse tipo de mentira enfraquece campanhas de vacinação, confunde famílias e ameaça principalmente crianças, idosos e pessoas com doenças crônicas.
A prática médica tem regras claras. O Código de Ética Médica proíbe divulgar tratamentos sem comprovação, usar linguagem sensacionalista ou oferecer métodos sem evidência só para atrair pacientes. Quando isso acontece, a sociedade inteira fica exposta. Quando profissionais rompem esses limites, não apenas traem a confiança da sociedade, colocam vidas em risco. Negacionismo não é opinião, é uma ameaça real à saúde.
O Brasil não tem mais um governo leniente em relação ao negacionismo, como ocorreu anteriormente. Da parte do Ministério da Saúde, em parceria com a Advocacia-Geral da União (AGU), será feito tudo o que for possível, do ponto de vista jurídico, para impedir que esses profissionais continuem espalhando mentiras sobre vacinas e ainda lucrando com isso. É o negacionismo aliado à ganância.
Reafirmamos o que a ciência já demonstrou amplamente: as vacinas contra a Covid-19 são seguras, eficazes e salvaram milhões de vidas. Mais de 13 bilhões de doses aplicadas no mundo, somadas a milhares de estudos sérios, confirmam sua segurança. Isso é ciência. Isso é fato.
A saúde pública não é mercadoria. Não há espaço para teorias inventadas, marketing enganoso ou comércio de falsas curas. O Brasil não pode permitir retrocessos depois de tanto esforço para fortalecer o SUS e recuperar a confiança na ciência.
Chamamos a população a buscar informações em fontes confiáveis, denunciar práticas suspeitas e defender a vacinação como patrimônio coletivo.
Vacinas protegem. O negacionismo mata pessoas. E o país precisa reagir com firmeza.
18 de novembro de 2025
MINISTÉRIO DA SAÚDE (MS)
SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA (SBPC)
ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS (ABC)
FOTO: rede social X