Em uma relação entre médico e paciente, muitos fatores são levados em consideração na escolha de tratamentos e procedimentos. A medicina desperta um senso comum nas pessoas, em que o objetivo norteador da profissão parece ser tratar as enfermidades, não importando os meios usados para isso.
A realidade, porém, é um pouco distante desse contexto. No tratamento de uma doença, os médicos devem considerar a autonomia dos pacientes, visto que a vida destes está em análise e eles devem ter o direito de controlá-la. Portanto, se um indivíduo se recusa a continuar algum procedimento aconselhado pelo responsável por seu quadro clínico, cabe ao médico buscar outras saídas para cumprir o objetivo de cura sem desrespeitar as vontades do paciente.
Assim como toda história tem muitas faces, essa não poderia ser diferente. Em uma relação entre médico e paciente, é de se supor que os médicos também tenham suas convicções e que necessitem de autonomia para conseguir exercer sua profissão. É desse pensamento que surge um conceito que vem gerando debate na medicina: a objeção de consciência. Presume-se que em um ambiente clínico os médicos também tenham o direito de negar participar de determinados tratamentos.
Inclusive, a objeção de consciência é um conceito defendido no Código de Ética da Medicina, que concede o direito de todo profissional do setor ter autonomia suficiente para se ausentar de procedimentos que firam suas ideologias, desde que a saúde do paciente não seja negligenciada.
Em casos de aborto permitido pela justiça, transfusão de sangue em Testemunhas de Jeová, esterilização humana voluntária e diversas outras situações, é possível que o médico se negue a dar prosseguimento ao atendimento, alegando objeção de consciência. No entanto, considerando que a saúde dos pacientes é primordial na medicina, o dever desses profissionais é delegar os procedimentos para outros capacitados a fornecê-los sem influenciar na tomada de decisão do paciente.
Debate crescente na medicina internacional
Um debate amplo sobre as delimitações do conceito de objeção de consciência tomou conta da Câmara dos Lordes, no Reino Unido. O projeto discutido trata dos limites éticos de um profissional de medicina poder se abster de suas responsabilidades. No país, existem duas correntes de pensamento muito diferentes sobre o caso.
A proposta vai ao encontro de uma decisão tomada pela Suprema Corte do Reino Unido em 2014, quando condenou as parteiras católicas Mary Doogan e Concepta Wood por não delegarem, supervisionarem ou apoiarem equipes em casos de interrupção de gravidez em um hospital de Glasgow.
Existe um forte apoio para que a definição de objeção de consciência também seja estendida para situações em que o profissional de medicina não deseje participar ou delegar as funções para outro funcionário. Segundo o filósofo e moralista David Oderberg, casos de aborto, suicídio assistido e eutanásia têm uma enorme complexidade, porém ele entende que os profissionais que desejarem se abster completamente de participar desses processos devem ter sua autonomia respeitada e não ser tratados como “meros funcionários” do Estado e do sistema de saúde.
Há também quem entenda que a profissão demanda alguns princípios que o conceito de objeção de consciência não pode ultrapassar. De acordo com o especialista em ética médica Dan Brock, que atua no Center for Bioethics Harvard Medical School, nos Estados Unidos, os médicos que não estiverem dispostos a atender ou delegar esses casos para outros profissionais devem abdicar dos deveres da medicina por não contribuírem com as obrigações inerentes da profissão.
Objeção de consciência ou discriminação?
No ambiente médico existe também a preocupação de que a objeção de consciência não seja usada para discriminar pacientes. Para Reinaldo Ayer de Oliveira, coordenador do Centro de Bioética do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), o conceito abre brechas para que alguns profissionais encontrem prerrogativas para ditarem suas convicções aos pacientes, em uma linha muito tênue entre o respeito das próprias ideologias e a imposição de decisões.
Com tanta polêmica sobre o assunto, Max Grinberg, membro do Conselho Consultivo do Centro de Bioética do Cremesp, ateve-se às definições do Código de Ética da profissão ao comentar o caso no Jornal do Cremesp: “Em termos gerais, quando não se parte de motivos fúteis e/ou discriminatórios, nosso Código permite recorrer à objeção de consciência, no limite da urgência e emergência […]”, argumentou.
Fontes: Cremesp, Conselho Federal de Medicina.