Atividade auxilia no físico, cognitivo e emocional, além de ser fundamental para o autoconhecimento
Por Victória Ribeiro – editada por Mariana Collini em 17/07/2024
De acordo com a psicóloga e psicanalista Denise de Sousa Feliciano, na primeira edição do livro “Pediatria e Saúde Mental” (Editora Atheneu), a importância das brincadeiras – muitas vezes colocadas em segundo plano em uma agenda diária cheia de outras atividades – é evidente desde os primeiros momentos de vida, “com o bebê já interagindo com o próprio corpo e a voz, o que depois se expande para as interações com os objetos ao redor”.
A especialista destaca que as brincadeiras podem ocorrer no ambiente escolar, em atividades extracurriculares (como natação, esportes e artes), mas são especialmente valiosas quando livres, espontâneas e descompromissadas com um aprendizado formal. “Todo tipo de brincadeira é importante, mas é preciso estar atento à importância do brincar livre, nos momentos de ócio, em que as brincadeiras não sejam tão diretivas, com regras e definições vindas de fora”, afirma Denise, que também é presidente do Núcleo de Estudos de Saúde Mental da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP).
Como benefícios, a gastropediatra com formação em psicanálise, Fernanda Kardosh, pontua que, por meio das brincadeiras, especialmente as mais livres, os pequenos adquirem competências para o seu desenvolvimento físico, cognitivo, emocional e social, associando conhecimentos adquiridos ao experienciar certas habilidades e agindo com atitudes obtidas no processo do brincar. Além disso, as brincadeiras ajudam as crianças a elaborarem seus pensamentos com maior facilidade, assim como a expressar os sentimentos, o que é uma grande vantagem para a saúde mental e para a construção da relação com o outro.
Por outro lado, a privação de brincadeiras na infância, segundo Fernanda, pode acarretar diversas consequências, incluindo a incapacidade de se relacionar adequadamente com os outros e o desenvolvimento de doenças mentais e físicas, como ansiedade, depressão, fobias sociais e agressividade. Problemas como obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares também podem surgir, especialmente se também não houver práticas de atividade física.
Para a coordenadora pedagógica Danielle Cacilda dos Santos de Bairro, do Marista Escola Social Esperança, em Curitiba, o momento da brincadeira faz parte da linguagem natural da criança. “É a forma dela se expressar nesse mundo. Ao realizar atividades, em casa, na escola com as crianças ou professores, ela passa a interagir com mais autonomia, expressar seus gostos e também sentimentos por meio da brincadeira”.
Proporcione tempo e espaço
Segundo Danielle, reservar momentos diários para brincadeiras livres e não estruturadas é muito importante, assim como criar um ambiente seguro e estimulante onde as crianças possam explorar, experimentar e se divertir.
Contudo, Fernanda também ressalta que é fundamental se desapegar do planejamento e tentar encaixar as brincadeiras como algo comum da rotina. “Todos os lugares são espaços para brincadeiras e nem sempre é preciso determinar um tempo específico para isso. Na hora do banho, ‘olha o peixinho’, ou na hora da alimentação, ‘olha o aviãozinho’. Tudo isso são maneiras de brincar e tornar a rotina mais divertida”, afirma a gastropediatra.
Valorize e encoraje a imaginação das crianças
“Deixe que elas criem suas próprias histórias, os personagens e os mundos imaginários durante o brincar. Isso ajuda a desenvolver habilidades de pensamento criativo”, destaca Fernanda.
Participe das brincadeiras
O envolvimento na brincadeira fortalece os laços familiares. Isso significa que sentar no chão com os filhos, se divertir, se sujar e bagunçar são ótimas formas de demonstrar o valor que você atribui ao tempo de qualidade juntos.
“Os adultos desaprendem a brincar, mas não há ninguém mais competente que as crianças para ensinar. Para isso, basta estar junto e ter interesse. Não há necessidade de estímulo. A criança descobre sozinha como brincar, é inventiva e pode facilmente convocar e estimular um adulto disponível ao seu lado. Afinal, criança é criança”, afirma Denise no livro “Pediatria e Saúde Mental”.
Estimule o brincar ao ar livre
De acordo com Danielle, é importante incentivar jogos e brincadeiras que explorem a natureza e valorizem as atividades físicas. Isso porque o ambiente externo oferece uma infinidade de oportunidades para o brincar criativo e o desenvolvimento motor, além de contribuir para a saúde mental.
“O brincar na natureza muitas vezes tem sido negligenciado, seja por questões de segurança ou pelo apelo de marketing que muitas vezes direciona os pais aos parques fechados de shoppings, onde podem deixar seus filhos se divertindo em segurança, com monitores, enquanto aproveitam o tempo para seus outros interesses. Entretanto, a natureza oferece uma experiência ímpar, não apenas pelas necessidades de desenvolvimento motor supridas na liberdade de correr livremente, mas pelo contato com a própria sazonalidade do meio ambiente e sua biodiversidade”, destacou Denise.
Incentive as crianças a brincarem juntas e a cooperarem umas com as outras
De acordo com Danielle, incentivar as crianças a se divertirem juntas incentiva no desenvolvimento de habilidades sociais, como comunicação, negociação e resolução de conflitos.
Contudo, é importante destacar que brincar sozinho também é uma opção importante e que deve ser incentivada, desde que não seja algo recorrente e exclusivo. Afinal, “permitir que as crianças tenham esse tempo de interação com elas mesmas colabora com o autoconhecimento e para aflorar a capacidade de autorrealização”, afirma Fernanda.
Brincadeiras por faixa etária
Embora o brincar livre seja importante, é válido lembrar que cada faixa etária possui suas particularidades de acordo com as fases de desenvolvimento. Mesmo que alguns aspectos sejam comuns a todas as crianças, cada uma tem seu próprio ritmo de aprendizagem. Por isso, é importante que os pais ou responsáveis estejam atentos a essas diferenças.
Confira algumas recomendações de brincadeiras do Hospital Pequeno Príncipe, em Curitiba, para incentivar as crianças e para participar das brincadeiras junto com elas:
Até os 2 anos
Nessa fase é importante incentivar os movimentos, a experimentação e a curiosidade, pois os bebês ainda estão descobrindo-se, assim como o mundo ao seu redor.
Sugestões de brincadeiras:
- Jogos de encaixar;
- Jogar bolinhas de pelúcia;
- Caretas no espelho (converse com a criança e mostre as partes do rosto dela, para que ela identifique seu próprio rosto e se divirta);
- Contação de histórias;
- Brincadeiras sonoras, para que a criança identifique sons.
De 2 a 3 anos
Com essa idade, as crianças já andam e brincam sozinhas. Energia, imaginação e aprendizados são característicos dessa faixa etária.
Sugestões de brincadeiras:
- Desenho das emoções: cada integrante da família desenha, em uma folha de papel, um rosto feliz, triste e com raiva – e, enquanto isso, conversa com as crianças sobre o que cada emoção representa;
- Imitação e faz de conta: os pequenos começam, nessa faixa etária, a identificar e repetir comportamentos. Cada integrante da brincadeira pode ser um personagem de uma história, como histórias de super-herói ou a preparação de uma comida de brincadeira;
- Brinquedos separados por cor: coloque todos os objetos em uma bacia e peça ajuda da criança para separar cada brinquedo por cor. Durante a brincadeira, vale repetir o nome de cada cor.
4 a 5 anos
Com mais independência e autonomia, a partir dessa faixa etária, as crianças começam a entender melhor regras e brincadeiras. Além de começarem a identificar-se com personagens de desenhos, filmes e brinquedos. A personalidade e gostos das crianças também iniciam nessa fase.
Sugestões de brincadeiras:
- Colagem;
- Massinha de modelar;
- Blocos de montar;
- Inventar a própria fantasia;
- Cabaninha com barraca ou lençóis;
- Passa anel;
6 a 8 anos
Nessa idade, as crianças já frequentam a escola e estão desenvolvendo habilidades de leitura e raciocínio lógico. Além de conceitos de trabalho em equipe.
Sugestões de brincadeiras:
- Caça ao tesouro;
- Pular corda;
- Futebol de botão;
- Quebra-cabeças;
- Mímica;
- Jogo da memória;
- Esconde-esconde.
9 anos ou mais
Nessa faixa etária, as crianças já se comunicam bem e têm preferências de brincadeiras. Os pais e responsáveis podem aproveitar as atividades para estreitar laços e fortalecer vínculos.
Sugestões de brincadeiras:
- Hortas;
- Ouvir músicas;
- Praticar esportes;
- Jogos de cartas e tabuleiro;
- Jogos mentais;
- Álbum de figurinhas.
https://www.estadao.com.br/saude/por-que-brincar-e-tao-importante-para-as-criancas-nprm/
Foto: Jacob Lund/Adobe Stock