A nossa saúde está diretamente relacionada aos hábitos que temos e ao contexto socioeconômico em que estamos inseridos. Por isso, é comum que pessoas mais carentes sofram com problemas de saúde devido à falta de acesso a tratamentos de qualidade. A ausência de recursos pode ter efeitos silenciosos e drásticos na saúde humana.
A pobreza pode acarretar problemas mentais e cardíacos, além de diabetes. Um novo estudo da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, buscou rastreadores de estresse no cérebro para saber quão profundos são os efeitos da miséria. Os cientistas descobriram maior ativação das amígdalas cerebelosas, responsáveis pelo controle do estresse no corpo, e mais inflamações nas artérias em pessoas vulneráveis economicamente — dois quadros que aumentam as chances de problemas cardíacos e acidente vascular cerebral.
Nas condições de carência, é muito comum que os problemas de estresse comecem ainda na infância. Assim, os níveis a serem regulados pelas amígdalas são constantes, e o mecanismo de controle nunca é desativado. Isso acaba levando a um padrão muito mais alto, com frequência cardíaca e pressão sanguínea elevadas.
A pesquisa foi conduzida com 300 pessoas sem doença cardíaca conhecida. Através de tomografia computadorizada por emissão de pósitron (PET-CT), foi possível mostrar a relação entre a falta de recursos financeiros e as doenças cardíacas. Porém, além da questão física, existem os problemas mentais resultantes da pobreza.
Além do coração: problemas mentais
A saúde cardíaca não é a única afetada diretamente pela pobreza: estudos mostram predominância de problemas mentais em pessoas de baixa renda. Em 2010, uma revisão de 115 estudos anteriores, que englobou pessoas de 33 países, mostrou que ao menos 80% das pesquisas indicavam a relação direta entre a falta de recursos e as doenças mentais, que, nesses casos, costumam ser mais severas e durar mais tempo.
Apesar de haver muitos estudos sobre taxas de pobreza ao longo das últimas décadas, apenas nos últimos 25 anos os cientistas se voltaram a pesquisar a relação entre a pobreza e a saúde mental, então esse é um campo ainda novo da ciência, com resultados pipocando o tempo todo.
Um estudo de 2009 feito com famílias mexicanas, por exemplo, conseguiu determinar que crianças que recebiam ajuda financeira federal tinham menos cortisol, o hormônio do estresse, do que aquelas que nada ganhavam. O estresse é um dos caminhos para a depressão, que pode começar ainda na infância.
Em 2013, a Organização Mundial da Saúde (OMS) assumiu o compromisso de aumentar em 20% o acesso a serviços para tratamento de transtornos mentais em todo o mundo, esperando uma redução de 10% na taxa de suicídios até 2020 nos 135 países-membros.
Problemas que começam na infância
Outro estudo, publicado em 2019 na revista científica Circulation: Cardiovascular Quality and Outcomes, analisou o histórico de mais de 12 mil norte-americanos de baixa renda e sem seguro de saúde. Eles foram avaliados quanto a riscos cardiovasculares e questionados sobre experimentos traumáticos na infância.
Violência, abandono, divórcio e pobreza estavam presentes em pelo menos 48% dos entrevistados, com ao menos 35% tendo vivenciado mais de 4 situações traumáticas. Isso foi associado a uma maior possibilidade de desenvolvimento de doenças cardíacas, além de hábitos nada saudáveis, como tabagismo, disfunção alimentar e falta de atividades físicas, que só contribuem para o enfraquecimento do coração.
Essa pesquisa analisou o efeito de longo prazo de algo traumático na infância, mostrando a importância de tratar os problemas assim que eles surgem. No caso da pobreza, é difícil erradicá-la de uma hora para outra, mas é essencial acompanhar a saúde física e mental com os serviços públicos de saúde.
Mais evidências
Em 2009, o American Journal of Epidemiology publicou um estudo que acompanhou 1.835 homens e mulheres de 1971 a 2003. Além da análise da saúde, era questionada a situação socioeconômica das pessoas em determinada época. Aquelas em situações vulneráveis, financeira ou psicologicamente, eram mais propensas a aderir ao fumo ou a outras drogas.
Durante o período analisado, 144 pessoas desenvolveram bloqueios nas artérias, tiveram ao menos um ataque cardíaco ou morreram por alguma doença cardíaca. E isso foi mais frequente em pessoas que viveram longos períodos na pobreza.
Para Eric B. Loucks, que lecionava na Universidade McGill, do Canadá, e foi o autor do estudo, é preciso duas abordagens urgentes: uma para os adultos que já sofrem com problemas mentais ou cardíacos decorrentes de uma longa vida em desvantagens e outra para crianças e adolescentes, justamente para não piorar os sintomas.
Fontes: The Lancet, Reuters, National Institutes of Health, NPR.