Ainda no século I, o poeta romano Juvenal foi o primeiro a relacionar a saúde do corpo com a da mente, sendo atribuída a ele a célebre frase: “mente sã, corpo são”. Desde então, a Medicina vem encontrando conexões entre o cérebro e os demais órgãos do corpo, a exemplo da última descoberta publicada neste mês, que relaciona o estresse ao desenvolvimento de úlceras estomacais.
Embora já se saiba que algumas doenças estomacais estejam intimamente relacionadas à saúde psicológica, como a gastrite (que em casos mais graves produz úlceras no estômago e em outras partes do trato gastrointestinal), a pesquisa desenvolvida pelo Instituto do Cérebro da Universidade de Pittsburgh, localizada na Pensilvânia, foi capaz de explicar de que forma isso ocorre e qual é a parte do cérebro envolvida.
Para chegar a essa descoberta, os neurocientistas da universidade estadunidense mapearam o caminho neural que liga o cérebro ao estômago e dão suporte científico às evidências que admitem essa conexão. Segundo os pesquisadores, a maior parte das investigações tem procurado entender de que forma o funcionamento do sistema digestório afeta o cérebro, mas essa é uma via de mão dupla. O médico Peter Strick, coordenador do instituto que elaborou a pesquisa, apontou que já há comprovação sobre o fato de períodos de maior estresse, como crises que causam desemprego em massa, aumentarem o número de óbitos por úlceras estomacais.
Procedimento
Para descobrir o caminho que liga o cérebro ao estômago, os cientistas introduziram no estômago de ratos de laboratório uma cepa do vírus da raiva, ou seja, uma mutação do vírus que guarda semelhança com o anterior. Isso permitiu o rastreamento dos estímulos nervosos desde a região estomacal até o cérebro do animal.
Nos humanos, a raiva é conhecida como hidrofobia em virtude da aversão à água, frequente nos estágios mais avançados dos sintomas da doença. A forma de propagação mais comum dessa doença ocorre pela mordida de um mamífero contaminado, como um cachorro, e a partir dessa ferida ela chega ao cérebro, atacando o sistema nervoso central.
O mapeamento da cepa da raiva em ratos buscou verificar qual é o caminho feito pelo vírus até chegar ao sistema nervoso central e qual é a parte do cérebro afetada na contaminação. Assim, os cientistas conseguiram localizar a ínsula, área do cérebro humano mais diretamente ligada ao estômago, uma vez que os camundongos têm um metabolismo análogo ao dos seres humanos em diversos pontos de vista.
A ínsula é responsável pela sensação visceral e regulação emocional. Ela funciona como intérprete do cérebro e traduz sensações em emoções — isso ocorre quando a textura de um alimento causa nojo, por exemplo.
Graças aos exames de diagnóstico por imagem, a ínsula tem ganhado mais atenção por parte de médicos e neurocientistas. Embora pequena como uma noz e de difícil acesso (localiza-se bem no centro do cérebro), estudos sugerem que ela está relacionada às emoções humanas, bem como à autoconsciência, à introspecção, à percepção da dor e às dependências.
Perspectivas
Diante de descobertas como essas, algumas situações cotidianas com expressões ligadas ao sistema digestório podem apontar significados mais literais do que se crê, por exemplo o de “reagir com o fígado”, “estar enfezado” ou “ter uma dor de barriga de nervosismo”.
Para os cientistas, a identificação das vias neurais que conectam o cérebro com o estômago pode fornecer novas formas de olhar para os distúrbios intestinais comuns. Um exemplo apresentado por eles se refere à bactéria H.pylori, embora ela comprovadamente cause úlceras, é possível que o funcionamento cerebral seja decisivo na criação de um ambiente mais ou menos propício à instalação da doença.
Além disso, há sustentação científica mais sólida para que o tratamento às doenças ligadas ao estômago sejam enfrentadas de forma mais plural. Pesquisas futuras podem comprovar que, tão importante quanto tratar o estômago dos pacientes com esses quadros, é garantir o bem-estar emocional deles, por meio de psicoterapias, atividades físicas e outras práticas que proporcionem qualidade de vida.
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Fonte: Science Daily, UPMC, ScienceDirect.