Ao longo das últimas décadas, a humanidade se deparou com vírus contagiosos e preocupantes: o Ebola, Sars, Marburg, Mers e, agora, o novo coronavírus. Entretanto, para além das preocupações envolvendo contágio, expansão, tratamento e taxa de mortalidade, essas doenças compartilham um detalhe: a possibilidade de que tenham surgido a partir de morcegos.
Como funciona o organismo dos morcegos?
De acordo com um estudo realizado por cientistas da UC Berkeley, na Califórnia (Estados Unidos), descobriu-se uma nova perspectiva sobre a relação entre alguns dos piores vírus das últimas décadas com o sistema imunológico desses mamíferos.
O estudo foi conduzido pelos cientistas Brook e Boots. A pesquisa se concentrou em entender como o organismo dos morcegos lida com vírus extremamente mortais.
A ciência já sabe que esses animais têm a capacidade de servir de hospedeiros para diversos tipos vírus sem que adoeçam. Por exemplo, Hendra, Nipah e Marburg são alguns dos vírus que provocaram surtos e doenças na Austrália, Bangladesh, Malásia e África e que encontraram nesses mamíferos uma espécie de “casa perfeita”.
O ponto-chave a ser compreendido na relação vírus-morcego é a tolerância desses animais — a qual supera, e muito, a de outros mamíferos.
Os pesquisadores chamaram a atenção no estudo para o fato de que boa parte dos vírus provenientes dos morcegos chegam aos humanos por meio de um intermediário. O Nipah começou a se espalhar entre as pessoas via porcos, o Ebola tinha como intermediários os chimpanzés e gorilas, enquanto o Hendra chegou por meio dos cavalos.
O estudo conduzido por Boots e sua equipe aponta que, considerando o alto potencial e a eficiência dos morcegos de hospedar vírus, não é à toa que alguns dos mais perigosos tenham origem nesses animais voadores.
Porém, a pesquisa chama a atenção para o fato de que os morcegos não possuem uma relação próxima com os seres humanos, por isso não existe a perspectiva de que hospedem muitos vírus próprios dos seres humanos.
Esse trabalho serve para evidenciar que o sistema imunológico dos morcegos pode estar por trás de episódios de virulência do passado, possivelmente de agora, com a covid-19 e, provavelmente, de outros surtos no futuro.
Para evoluir e se espalhar de forma eficaz, um vírus não pode matar seu hospedeiro em um curto espaço de tempo. Ou seja, normalmente, o que ocorre é que quanto mais rápido acontece a replicação do vírus, mais rápido o hospedeiro infectado morre.
Isso significa que os vírus mais eficazes são aqueles que, de uma forma ou outra, conseguem manter certo nível de equilíbrio com o sistema imunológico do hospedeiro, como observado na pesquisa apontada.
O sistema imunológico dos morcegos
Os morcegos são animais com atividade física muito intensa e, assim como ocorre em qualquer outro mamífero, isso leva o organismo à liberação de radicais livres. O peso do sistema imunológico pode ser bem percebido aqui, uma vez que ele tem um papel fundamental para promover a limpeza dessas moléculas prejudiciais do organismo.
No caso dos morcegos — os únicos mamíferos voadores do mundo —, sabe-se que ao longo do processo evolutivo eles conseguiram estruturar um sistema imunológico que se desenvolveu de forma excepcional, tornando-se capaz de promover uma gestão eficiente para os danos inflamatórios provocados pela alta taxa metabólica exigida para que consigam voar.
Morcegos vivem por cerca de 30 a 40 anos, contrariando o que ocorre, no geral, com os mamíferos — visto que o metabolismo rápido com frequência cardíaca igual resulta em uma expectativa de vida mais curta.
Alguns estudos sugerem que esse poder de suprimir a inflamação rapidamente é o que garante a possibilidade de voos vigorosos; um dos agentes mais importantes nesse processo anti-inflamatório é chamado de interferon-alfa.
Brook faz uma observação sobre isso apontando que, caso a mesma situação ocorresse com os seres humanos, o sistema imunológico provocaria uma reação que levaria a uma inflamação generalizada.
Importância dos estudos
Entender como os morcegos conseguem ter vigor e viver longamente, mesmo com a presença de tantos vírus mortais em seu organismo, é um ponto que ainda precisa ser muito aprofundado pela ciência.
O fato é que combater novos vírus depende, em grande parte, daquilo que a ciência já conseguiu (e que ainda vai) entender sobre eles. Por exemplo, compreendendo melhor como se dá a relação dos vírus de morcego com outros animais, é possível, em caso de um surto, promover um rastreamento mais eficiente e tomar medidas de prevenção e combate mais rápidas, a fim de que o problema seja contido e controlado em tempo hábil.
Fontes: Vox, Science Daily.