Foi em 2015 que o Brasil e parte do mundo se viram à mercê de um novo vírus: o zika. O crescimento de casos de microcefalia ao mesmo tempo em que o vírus transmitido pelo Aedes aegypti se espalhava acendeu um sinal de alerta nas autoridades de saúde. Em 2016, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou Emergência de Saúde Pública para investigar o zika vírus e sua associação com a microcefalia.
Entre 2015 e 2018 foram detectados mais de 380 mil casos de zika no Brasil, segundo a Organização Panamericana de Saúde (OPS). O vírus desencadeou mais de 3 mil casos de microcefalia e outras alterações no crescimento e no desenvolvimento de crianças. Foram mais de 300 mortes confirmadas entre fetos, recém-nascidos e crianças.
Depois de estabelecer a relação entre o zika e a microcefalia, denominando-a síndrome congênita do vírus zika (SCZ) para classificar as doenças ocorridas em virtude da contaminação de gestantes, a OMS retirou a emergência e passou a priorizar estudos de longo prazo, bem como o desenvolvimento de vacinas.
Em 10 de dezembro, pesquisadores norte-americanos publicaram um artigo importante na revista de acesso aberto PLOS Pathogens. Utilizando camundongos, a chefe do Laboratório de Imunologia da Food and Drug Administration (FDA), Daniela Verthelyi, e seus colegas chegaram à conclusão de que a contaminação pelo vírus zika na fase final da gestação ou nos primeiros dias de vida do bebê podem trazer consequências severas com o passar dos anos.
Os problemas neurológicos e comportamentais em roedores foram verificados um ano depois da contaminação, ocorrida no primeiro dia de vida deles. Como camundongos vivem por dois anos, esse período significa muito; trazendo a realidade para o cérebro humano, esse intervalo de tempo é bastante significativo e pode trazer novas descobertas ao campo da ciência.
Zika vírus pode se alojar no Sistema Nervoso Central
Verthelyi e seus colegas identificaram o zika vírus no Sistema Nervoso Central dos camundongos, atingindo principalmente o cerebelo. As sequelas verificadas pela equipe foram:
- déficits significativos na função motora e na coordenação;
- ansiedade;
- hiperatividade;
- comportamento impulsivo;
- problemas de convívio social.
“É fundamental obter melhor compreensão das interações patógeno-hospedeiras, tanto durante a infecção aguda quanto após a recuperação aparente, para identificar possíveis intervenções e reduzir o impacto no desenvolvimento e minimizar os danos que a persistência viral poderia causar”, disseram os pesquisadores em trecho do estudo.
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Ciência brasileira no estudo do zika
Os resultados encontrados pelos cientistas dos Estados Unidos são parecidos com os de pesquisadores brasileiros em um estudo publicado em 2018 no periódico Science Translational Medicine, da American Association for the Advancement of Science.
Uma equipe de 17 especialistas, a maioria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), também usou camundongos para verificar os problemas de longo prazo em infecções por zika vírus depois da fase aguda da doença. Além dos prejuízos de memória e sociabilidade, foi identificado que o vírus continuava se replicando no cérebro de forma ativa ainda na idade adulta.
“Isso indica que os efeitos do vírus da Zika no cérebro podem ir muito além da microcefalia e que mesmo aqueles bebês que não apresentaram microcefalia ou alterações detectáveis ao nascimento podem vir a apresentar problemas durante o crescimento e até na vida adulta”, observou a professora do Departamento de Biotecnologia Farmacêutica da UFRJ Júlia Clarke na divulgação do estudo.
Quando a OMS retirou a sinalização de emergência para o zika vírus, em 2016, houve muita crítica, inclusive do governo brasileiro. No entendimento da Organização, a comprovação da relação do vírus com a microcefalia era suficiente para interromper o plano de ação de curto prazo, e, a partir dali, os países mais atingidos deveriam agir pensando mais longe.
A vida adulta de pessoas infectadas pelo zika vírus deve ser mais investigada, como indicam os cientistas. Além disso, eles concluem que “é recomendado o monitoramento neurológico e comportamental de longo prazo de pacientes expostos ao vírus em uma idade precoce, bem como tratamento antiviral para limpar reservatórios persistentes do cérebro”.
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Fontes: Science Daily, Journals, PAHO, Sociedade Brasileira de Microbiologia e Eureka Alert.