Soro produzido por cavalos contra covid-19: saiba como funciona

12 de agosto de 2020 6 mins. de leitura
Conversamos com Sergio Surugi de Siqueira, professor de Imunologia, para entendermos melhor a nova arma no combate ao Sars-CoV-2

Soroterapia é um tratamento usado há décadas contra doenças como raiva e tétano e picadas de abelhas, cobras e outros animais peçonhentos e tem sido testada em diversas pesquisas que buscam tratamentos eficazes contra a covid-19. Um estudo desenvolvido por cientistas brasileiros de várias instituições pode ter chegado a uma poderosa alternativa que encontra nos cavalos os aliados pelos quais as novas terapias tanto esperam.

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De acordo com os responsáveis pela novidade, que tem apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), soros produzidos pelos animais têm, em alguns casos, até cem vezes mais potência em termos de anticorpos neutralizantes do Sars-CoV-2 quando comparados aos feitos com plasma de doentes convalescentes.

Sergio Surugi de Siqueira, professor de Imunologia do Curso de Farmácia e colaborador do programa de pós-graduação em Bioética da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), explica que esse é apenas o começo, apesar dos resultados promissores.

“Um tratamento novo para a covid-19 deve ser submetido a testes através de estudos clínicos. Tudo o que se disser antes é precipitado”.

Pesquisadores brasileiros podem ter encontrado nos cavalos aliados contra a covid-19. (Fonte: Unsplash)
Pesquisadores brasileiros podem ter encontrado nos cavalos os aliados contra a covid-19. (Fonte: Unsplash)

Neutralizando e eliminando

Também responsável pela produção de vacina contra a raiva para uso humano no Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), Siqueira dá detalhes de como funcionam tais tratamentos e por que eles são importantes inclusive na luta contra o novo coronavírus: “O soro hiperimune heterólogo (produzido em animais) tem por finalidade neutralizar a capacidade do vírus de infectar as células ou ajudar na eliminação do vírus do organismo. Nesse sentido, em tese, o soro hiperimune deveria ser aplicado no início da doença. Contudo, no caso da covid-19, existem alguns pontos a serem considerados”.

Entre essas questões, o pesquisador aponta que determinados pacientes desenvolvem imunidade sem a necessidade de qualquer intervenção, a exemplo daqueles que manifestam a forma leve da doença, e a administração do soro não seria interessante sob o critério de risco/benefício. Sendo assim, a solução, se bem-sucedida, poderia ser indicada para casos moderados e graves, sendo que os últimos, na fase de testes e se internados em unidades de terapia intensiva, por enquanto devem esperar.

“Muitas vezes o problema já não é mais devido à ação do vírus, e sim pela reação hiperinflamatória. Nesse contexto, a eficácia do soro hiperimune pode ser consideravelmente menor, não existir, ou o tratamento pode até ser prejudicial aos pacientes”, complementa.

Potencial e riscos a serem considerados

Existindo a possibilidade de que o soro obtido por cavalos complemente vacinas que ainda não estão disponíveis e que, em caso de aprovação, enfrentarão dificuldades para atender à grande demanda em todo o mundo, Jerson Lima Silva, coordenador do projeto do Instituto de Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), afirmou, em entrevista à Agência Brasil, que os animais deram uma resposta “impressionante” de produção de anticorpos: “Inoculamos em cinco e agora estamos expandindo para mais cavalos”.

“Os animais foram inoculados com a proteína S recombinante do novo coronavírus produzida no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ) e, após 70 dias, os plasmas dos equinos apresentaram anticorpos neutralizantes 20 a 100 vezes mais potentes contra o novo coronavírus do que os plasmas de pessoas que tiveram covid-19 e estão em convalescência”, ressaltou Silva.

De qualquer modo, testes clínicos deverão determinar quais tipos de pacientes poderão se beneficiar dessa terapia.

Quanto aos riscos, Siqueira destaca que eles existem e são inerentes a alguns fatores característicos desse tipo de tratamento: “O mais clássico é o risco de reação imediata, normalmente de gravidade leve para média e caracterizado clinicamente por febre, urticária, náuseas, diarreia e dor de cabeça. Mais raramente essas respostas podem evoluir para formas mais graves, com o aparecimento de edema de glote e choque (hipotensão). Também podem ocorrer reações tardias, que se manifestam por presença de proteína na urina, febre e urticária, normalmente após 10 e 15 dias da administração do soro. Isso é chamado de doença do soro”.

Além dos problemas citados, o professor aponta que não estão descartados eventos adversos especificamente relacionados à infecção pelo Sars-CoV-2, que poderia evoluir para a forma complicada devido à introdução de uma quantidade significativa de anticorpos, levando à hiperinflamação: “Essa possibilidade somente poderá ser comprovada ou não após os estudos clínicos realizados com pacientes de covid-19”.

Apesar de resultados promissores, é preciso esperar novos testes. (Fonte: Unsplash)
Apesar de resultados promissores, é preciso esperar novos testes. (Fonte: Unsplash)

Produção e ciência

Sobre desafios relacionados à logística, Siqueira comenta que o processamento e a produção em larga escala desse tipo de soro já são consagrados no Brasil e, em tese, não enfrentariam dificuldades, ao contrário do transporte.

“Trata-se de um produto que necessita ser transportado e conservado em baixas temperaturas, e esse pode ser um fator que dificulte um pouco o fornecimento de grande quantidade para localidades distantes do ponto de produção”, explica.

“Tal limitação poderia ser resolvida com a liofilização do soro, que é um processo no qual o produto é desidratado e com isso tem sua estabilidade aumentada mesmo em condições menos favoráveis, mas o tornaria um pouco mais caro. Portanto, talvez venham a ser produzidos soros em ambas as apresentações [líquidos e liofilizados], que seriam usadas de acordo com a necessidade, conveniência e viabilidade”.

De qualquer forma, Siqueira insiste que tudo vai depender do desempenho da terapia em estudos clínicos, já que, se as melhores expectativas se confirmarem, não faltará investimento na sua produção.

“Tenho dito sempre que a verdadeira ciência não é otimista nem pessimista; é realista. Se tudo for conduzido com o devido rigor científico, e não há motivos para acreditar que não será assim, certamente mais cedo ou mais tarde as respostas irão surgir. É prudente aguardar com serenidade”, finaliza.

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Fonte: Agência Brasil, Curso de Farmácia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).

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