Pesquisa analisou amostras de sangue e local de residência de mais de 3,6 mil indivíduos acima dos 56 anos Por Gabriel Damasceno – editada por Mariana Collini em 07/03/2025 Ocorrências de calor extremo, intensificadas pelas mudanças climáticas, podem acelerar o envelhecimento a nível molecular de adultos com mais de 56 anos, segundo um novo estudo […]
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Pesquisa analisou amostras de sangue e local de residência de mais de 3,6 mil indivíduos acima dos 56 anos
Por Gabriel Damasceno – editada por Mariana Collini em 07/03/2025
Ocorrências de calor extremo, intensificadas pelas mudanças climáticas, podem acelerar o envelhecimento a nível molecular de adultos com mais de 56 anos, segundo um novo estudo publicado na revista científica Science Advances na última quarta-feira, 26. A situação pode gerar uma série de efeitos para a saúde em longo prazo. Os achados reforçam a necessidade de as cidades se adaptarem a uma nova realidade climática.
“Nosso estudo encontrou uma associação significativa entre bairros com mais dias de calor extremo e uma idade biológica mais avançada. Por exemplo, idosos que vivem em áreas com frequência elevada de dias de calor extremo (maior ou igual a 140 dias por ano) apresentaram até 14 meses a mais de envelhecimento biológico em comparação com aqueles que vivem em regiões com menos de 10 dias de calor extremo”, ressalta Jennifer Ailshire, autora sênior do estudo e professora de gerontologia e sociologia na University of Southern California (USC).
A idade biológica citada pela autora é uma medida que representa quão bem o corpo funciona nos níveis moleculares, celulares e sistêmicos. É diferente da idade cronológica, que é baseada na data de nascimento. Uma pessoa de 80 anos pode ter coração, músculos e pulmões comparáveis aos de alguém com 50 anos, por exemplo, indicando um organismo mais saudável. Por outro lado, ter uma idade biológica maior que a idade cronológica está associado a um maior risco de doenças e mortalidade.
O envelhecimento biológico, segundo Jennifer, foi observado mesmo após ajustes para fatores individuais, como tabagismo, consumo de álcool e prática de atividade física. “Em outras palavras, duas pessoas com hábitos de saúde parecidos podem envelhecer em ritmos diferentes apenas por conta do local onde moram”, resume.
O estudo cita que a exposição ao calor intenso pode induzir mudanças na metilação do DNA (DNAm), um processo que regula a expressão genética. Pesquisas feitas em camundongos sugerem que essas alterações são capazes de desencadear respostas inflamatórias, comprometer funções celulares e afetar órgãos como o coração e os músculos.
Para a realização do estudo, as pesquisadoras analisaram amostras de sangue de mais de 3.600 estadunidenses acima dos 56 anos, a partir de dados do Health and Retirement Study. O banco de dados também inclui informações sobre os chamados relógios epigenéticos, utilizados para estimar a idade biológica, que foram calculados a partir dessas amostras.
Em seguida, os dados foram vinculados a registros climáticos históricos para analisar quantos dias de calor extremo ocorreram na área de residência de cada participante ao longo de diferentes períodos.
“O impacto foi maior do que esperávamos”, destaca Jennifer. “A diferença encontrada, de 14 meses, é comparável aos efeitos do tabagismo e do consumo excessivo de álcool, ambos fatores de risco bem estabelecidos para o envelhecimento acelerado. Isso sugere que a exposição crônica ao calor pode ter um impacto significativo no processo de envelhecimento do corpo, assim como outros grandes fatores de estresse ambientais e de estilo de vida”.
Quanto à temperatura, o estudo seguiu as classificações do Serviço Nacional de Meteorologia dos EUA (NWS):
Nível de cautela: entre 80°F e 90°F (26,7°C a 32,2°C);
Nível de cautela extrema: entre 90°F e 103°F (32,2°C a 39,4°C);
Nível de perigo: entre 103°F e 124°F (39,4°C a 51,1°C);
Nível de perigo extremo: acima de 124°F (acima de 51,1°C).
Cidades precisam de estratégias coletivas
A situação gera um alerta. Desde o começo de fevereiro, parte do Brasil tem encarado ondas de calor. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) define como onda de calor quando cinco ou mais dias consecutivos têm uma temperatura máxima diária que ultrapassa a temperatura máxima média mensal em 5°C ou mais. O fenômeno tem se tornado cada vez mais frequente por conta das mudanças climáticas.
“A gente fala de mudanças climáticas há mais de 20 anos. Não é uma novidade, já é um conceito defasado. O clima já mudou. O que a gente tem que fazer é se adaptar a uma nova realidade, não dá mais para voltar”, frisa a meteorologista e médica Micheline Coêlho, pesquisadora colaboradora da Monash University, na Austrália, e da Universidade de São Paulo (USP).
“Percebo que cidades como São Paulo, antes conhecidas pelo clima mais ameno e pela famosa garoa, já não seguem esse padrão. As construções, tanto prédios quanto casas, foram projetadas para um clima mais frio, mas hoje enfrentam a questão do calor extremo”, destaca Micheline.
Ela defende a busca por soluções. “Não dá para derrubar tudo e fazer de novo. O que dá para fazer? Implantar sistemas de climatização, onde for possível, e fazer construções já pensando na questão do clima”.
Jennifer reforça que o calor não traz apenas um risco imediato à saúde: é algo que afeta o corpo de forma silenciosa ao longo do tempo. “À medida que as ondas de calor se tornam mais frequentes e a população envelhece, precisamos de estratégias de mitigação mais inteligentes e direcionadas”, defende.
“Não podemos simplesmente dizer às pessoas para se mudarem para lugares mais frios – isso não é realista”, pontua. “Em vez disso, devemos focar em soluções adequadas para cada faixa etária, garantindo que as pessoas possam se manter seguras onde já vivem”.
Segundo Jennifer, precisamos de abordagens em múltiplas frentes. “O ar-condicionado é uma ferramenta importante, mas não uma solução universal, já que nem todos podem pagar por ele”, reflete. Ela lembra ainda que apagões durante ondas de calor podem deixar até os donos do aparelho vulneráveis.
“Por isso, não podemos depender apenas de ações individuais. Precisamos repensar o design dos bairros para torná-los mais resistentes ao calor. Pequenas mudanças, como a instalação de pontos de ônibus com sombra ou a ampliação de áreas verdes, podem reduzir significativamente a temperatura local e melhorar a qualidade de vida”, adiciona.
Outra medida possível de ser colocada em prática é o monitoramento de indivíduos em maior risco. “Certos programas de entrega de refeições para idosos passaram a monitorá-los com mais frequência durante ondas de calor, uma intervenção simples, mas potencialmente capaz de salvar vidas”, cita Jennifer.
Idosos são mais afetados pelo calor
De acordo com Micheline, os idosos têm uma menor capacidade de regular a temperatura corporal. “Eles não sentem muita sede, por exemplo, o que faz com que desidratem sem nem perceberem. A desidratação é um problema grave para todo mundo, mas para os idosos é pior ainda”, explica.
Para ter ideia, a baixa ingestão da água pode causar sintomas confundíveis com doenças neurodegenerativas, incluindo Alzheimer. A função renal também sofre um certo declínio com a idade e, com a desidratação, é mais fácil desenvolver uma disfunção renal aguda. Outra possível consequência é uma queda na pressão arterial. O principal sintoma é a sensação de desmaio iminente ou o desmaio de fato, especialmente na hora de levantar.
Jennifer ressalta que os idosos têm uma maior probabilidade de apresentar doenças crônicas, que podem ser agravadas por temperaturas extremas. “Medicamentos para condições como hipertensão ou diabetes também podem interferir na capacidade do corpo de responder ao estresse térmico”.
Cabe destacar que quem mora em grandes cidades corre um risco mais importante. “Áreas urbanas tendem a ser mais quentes do que as rurais devido ao efeito da ilha de calor urbano, no qual concreto, asfalto e prédios retêm o calor. A alta densidade populacional pode agravar esse efeito ao aumentar o consumo de energia, gerando ainda mais calor”, destaca a pesquisadora Eun Young Choi, coautora do estudo e pós-doutoranda pela USC.
“Nas cidades, idosos que vivem em prédios altos sem ventilação adequada ou sistemas de resfriamento podem estar em maior risco de problemas de saúde relacionados ao calor”, acrescenta.
Além do envelhecimento biológico acelerado e da desidratação, o calor extremo pode causar outros riscos à saúde, como: insolação, problemas cardiovasculares, doenças renais e complicações respiratórias. “A exposição prolongada ao calor extremo pode contribuir para a inflamação crônica, um fator central no desenvolvimento de muitas doenças relacionadas ao envelhecimento”, explica Eun.
“Também pode agravar a saúde mental, aumentando o estresse e a ansiedade, especialmente em populações vulneráveis”, continua.
Questões sociais e raciais
Eun destaca que pessoas mais pobres e com um nível de escolaridade mais baixo são mais expostas à situação. “Eles têm mais chances de viver em áreas com alta exposição ao calor, geralmente em bairros com menos árvores, menos áreas verdes e mais superfícies que retêm calor, como o asfalto. Eles também podem ter menos acesso ao ar-condicionado ou a centros de resfriamento”.
O estudo contou com a participação de brancos (78%), negros (10%), hispânicos (8,6%) e outros (3,4%), mas as pesquisadoras não encontraram diferenças significativas entre os grupos.
Eun, no entanto, afirma que “pesquisas anteriores mostraram que minorias raciais e étnicas frequentemente enfrentam maiores riscos de exposição ao calor e seus impactos na saúde devido a fatores como infraestrutura dos bairros, qualidade das moradias e desigualdades socioeconômicas”.
“É possível que nosso estudo não tenha captado essas diferenças com clareza devido ao tamanho relativamente menor da amostra de alguns grupos minoritários”, pondera a pós-doutoranda. “São necessárias mais pesquisas, especialmente com amostras maiores de minorias, para compreender melhor se (e como) a exposição ao calor pode afetar desproporcionalmente diferentes populações raciais e étnicas”.
https://www.estadao.com.br/saude/ondas-de-calor-podem-acelerar-o-envelhecimento-entenda-nprm/
Foto: gianni/Adobe Stock