Além de trazer conforto físico e bem-estar mental, certas receitas podem ajudar as pessoas a comerem melhor com o avançar da idade, segundo novo estudo Por Regina Célia Pereira – editada por Mariana Collini em 11/04/2025 Do bolo à canja de galinha, as receitas preparadas pelas avós são sempre as primeiras mencionadas quando o assunto […]
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Além de trazer conforto físico e bem-estar mental, certas receitas podem ajudar as pessoas a comerem melhor com o avançar da idade, segundo novo estudo
Por Regina Célia Pereira – editada por Mariana Collini em 11/04/2025
Do bolo à canja de galinha, as receitas preparadas pelas avós são sempre as primeiras mencionadas quando o assunto é comida afetiva, elas envolvem todo um contexto capaz de provocar as melhores sensações. Pois um estudo recente, realizado justamente com vovós e vovôs, chega para mostrar que esse público pode ser beneficiado pela chamada “comfort food”.
Pesquisadores da Universidade Estadual de Washington, nos Estados Unidos, ofereceram a um grupo de 81 idosos várias opções de café da manhã e de sobremesas. Foram realizados testes de sabor e aplicados questionários sobre hábitos alimentares e memórias relacionadas às refeições. Os cientistas observaram um impacto positivo das recordações nas escolhas à mesa.
Queijos foram destaque, mas pudins e biscoitos também evocavam sentimentos como a nostalgia e ajudaram a elucidar a conexão com uma melhor aceitação dos alimentos. E, ainda que não estivesse no cardápio degustado, o churrasco do fim de semana também foi mencionado nas conversas.
Segundo os estudiosos, esses achados contribuem para a elaboração de produtos especiais, direcionados aos idosos, numa estratégia para evitar carências nutricionais, problema frequente entre os mais velhos. Isso porque, com o passar do tempo, torna-se comum a perda de apetite, seja por questões que envolvem a mastigação e o paladar, ou por dificuldades no processo digestivo.
“O estudo revela que determinados alimentos, aqueles que remetem às boas lembranças, podem ser aliados contra a desnutrição entre os idosos”, comenta o nutricionista João Motarelli, do Instituto Consciência Alimentar. Tem tudo a ver com conforto emocional e sensações de prazer, satisfação e segurança.
A comida que conforta
O conceito de comida afetiva envolve não somente as memórias, mas também tradições e aspectos culturais. “Remete aos alimentos ou preparações que trazem aquele ‘quentinho no coração´ e, geralmente, estão associados às experiências familiares “, define a nutricionista Renata Farrielo, especialista em nutrição comportamental de São Paulo.
Renata menciona o escritor e jornalista americano Michael Pollan que descreve a comfort food como aquela que fortalece os laços afetivos. “Ele reforça a importância do hábito de cozinhar e dos momentos de compartilhamento nas refeições”, destaca.
Para a nutricionista Desire Coelho, especialista em comportamento alimentar e colunista do Estadão, a comida afetiva refere-se a situações do passado que geram sensações positivas. “Pode ser aquela que lembra uma viagem ou algo que alguma pessoa querida fazia, por exemplo, é construída na história de vida de cada um”, afirma.
A nutricionista Lara Natacci, que tem pós-doutorado sobre o elo entre alimentação e saúde mental pela Universidade São Paulo (USP), completa: “São alimentos que além de nutrir, promovem algum tipo de acolhimento emocional”, diz.
Lara comenta que existem quatro categorias, alinhadas a partir de estudos, que ajudam a explicar o conceito:
Comidas de conforto físico: Encaixam-se aqui as receitas quentinhas ou com aromas marcantes. Chás e sopas são exemplos.
Comidas nostálgicas: “São aquelas associadas a momentos marcantes da vida”, explica Lara. O pudim da vovó, servido na infância, ou o bolo de aniversário simbolizam essa categoria.
Comidas de indulgência: Lara explica que são as que oferecem prazer imediato e que podem gerar culpa quando consumidas em excesso. O chocolate e a pizza podem se encaixar nessa categoria.
Comida de conveniência: Fast food é um exemplo desse tipo de comida, que deve ser prática e de fácil acesso para momentos de escassez de tempo ou quando bate o cansaço.
Algumas preparações atendem a mais de um desses requisitos, como é o caso da canja de galinha, que oferece tanto conforto físico, por ser servida quente, quanto remete à nostalgia, já que tende a estar associada a recordações felizes. “Traz as memórias afetivas e ainda costuma envolver cuidados”, diz Motarelli. Muita gente experimentou essa sopa, oferecida pela mãe, em tempos de gripes ou de outros males.
De acordo com Motarelli, existe uma discussão vasta no universo da nutrição sobre o uso da comida para lidar com as emoções. É que quando isso ocorre de forma frequente, e a ingestão é elevada, pode trazer prejuízos. Afinal, na maioria das vezes esse tipo de comida não tem um balanço nutricional tão positivo assim. Por isso, é importante considerar o contexto: “Aqui, estamos olhando para um indivíduo idoso que, talvez, pule as refeições e esteja com dificuldade de atender o aporte nutricional adequado”, pondera.
“A gente precisa entender qual o contexto para fazer um direcionamento mais personalizado”, resume o especialista. E ele ressalta: “A comida afetiva também pode ser nutritiva. Basta pensar, por exemplo, em uma canja”.
Da canja ao bolo de fubá
Os mais diversos pratos, portanto, se encaixam na classificação. Tudo vai depender das experiências de cada um. O arroz com feijão é um belo exemplo para quem mora fora do Brasil. “Quer maior nostalgia do que a macarronada de domingo saboreada na casa dos pais?”, comenta a chef de cozinha Heloísa Bacellar, de São Paulo.
“Estudos indicam que alimentos ricos em carboidratos e gorduras, como massas, pães e doces, são frequentemente citados como comida afetiva”, comenta Renata. Inclusive essas opções têm influência na liberação de neurotransmissores relacionados ao bem-estar, como a serotonina e a dopamina.
A comida reconfortante também ativa algumas regiões do cérebro ligadas aos sentimentos. “Sobretudo áreas como o hipocampo, envolvido com memória e emoção, e o núcleo accumbens, relacionado ao sistema de recompensa”, explica Lara.
Pesquisas mostram ainda que comfort food afeta ainda o sistema endocanabinoide. “Trata-se de uma rede química envolvida com a redução da ansiedade e a melhora do humor”, diz Lara.
E todo esse processo pode ter início quando o nariz percebe os aromas. “O cheiro do bolo que escapa do forno e invade não só a cozinha, mas toda a casa” descreve Helô. Para a chef, o bolo simples é um dos símbolos de comida afetiva. “É puro aconchego, traz lembranças gostosas”, afirma.
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Uma de suas memórias é a de aprender a fazer o bolo de fubá, com a avó Betty. “Quando menina, ajudava a separar os ingredientes, acompanhava todos os passos da receita e, ao final, lambia a tigela”, conta. Preparar bolos para as mais diferentes ocasiões é uma maneira de oferecer carinho seja para os amigos, seja para a família.
Helô foi pioneira, em 2009, na comercialização dessas receitas, inaugurando um ramo que está em franco crescimento, o de lojas de bolos com pegada caseira. “Muitas pessoas buscam esse tipo de alimento para reviver momentos prazerosos”, comenta.
Além de convidar pessoas queridas para saborear sua comida afetiva preferida, uma dica dos experts é a de exercitar todos os sentidos: olhe, sinta o cheiro, toque, manipule para ouvir os barulhos e coma devagar, aproveitando ao máximo a experiência e todos os seus benefícios.
https://www.estadao.com.br/saude/o-poder-da-comida-afetiva-para-o-envelhecimento-saudavel/
Foto: Krakenimages.com/Adobe Stock