Consequências do aquecimento global atraem a atenção da comunidade científica
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Por Paulo Saldiva*
As consequências do aquecimento global na sustentabilidade de nosso planeta têm sido objeto de crescente atenção da comunidade científica. O acúmulo de gases com longo tempo de permanência na atmosfera, como CO2 e metano, constroem um manto de retenção de calor que vem promovendo o aquecimento progressivo da Terra.
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As projeções feitas pelos cientistas indicam um cenário de aumento das áreas desertificadas, de salinização dos aquíferos terrestres por causa da elevação do nível dos oceanos pelo derretimento de geleiras e episódios graves de anomalias climáticas, como secas, chuvas extremas e ciclones.
A saúde humana será afetada por vários fatores decorrentes dos eventos acima apontados, como insegurança alimentar, deslocamentos de populações por causa da desertificação, aumento dos casos de doenças transmitidas por insetos vetores (malária, dengue e febre amarela) e por via hídrica (diarreia infecciosa). Nas cidades, dada a construção de desertos de concreto e asfalto, as mudanças climáticas são acentuadas pelas ilhas de calor urbano.
Em geral, as consequências sobre o clima são projetadas para ocorrer em sua plenitude em um futuro próximo, ou seja, uma janela de tempo de poucas décadas. No entanto, vários estudos têm demonstrado que as ondas de calor já estão promovendo danos à saúde humana, causando aumentos significativos de admissões hospitalares e mortes por doenças respiratórias e cardiovasculares, notadamente em indivíduos acima dos 60 anos ou crianças na primeira infância.
Recentemente, uma coalizão de pesquisadores de todo o mundo (incluindo o Brasil) reuniu dados de temperatura e mortes naturais de 732 cidades de 43 países (18 cidades brasileiras) que confirmaram: as ondas de calor urbanas aumentam significativamente a mortalidade humana. O estudo, intitulado The burden of heat-related mortality attributable to recent human-induced climate changes, foi publicado pela Nature Climate Change.
Essa observação ocorre em todas as cidades estudadas, independentemente da sua localização. Nesse sentido, o maior efeito ocorre em regiões mais vulneráveis da faixa tropical e subtropical. Além disso, por meio de sofisticada técnica de modelagem climática, conseguiu-se distinguir os efeitos devidos às variações de temperatura causadas por eventos naturais daquelas produzidas pelas atividades humanas, como queima de combustível fóssil e desmatamento.
Chegou-se à conclusão de que mais de um terço das mortes causadas pelas ilhas de calor são devidas às atividades humanas. Os resultados desse estudo são claros ao mostrar que as mudanças climáticas já causam efeitos importantes na saúde humana — não em um cenário futuro, mas nos tempos atuais.
Ao mesmo tempo, o estudo desloca o cenário dos efeitos adversos do clima da clássica visão das florestas e dos polos, deslocando-o ao ambiente urbano e para dentro das nossas ruas.
Os dados permitem quantificar e monetizar as perdas de vidas, fornecendo uma base para o planejamento de medidas de sustentabilidade energética baseadas em saúde. Os humanos não são somente os causadores do desarranjo climático, mas também as vítimas. O tempo de agir é agora.
*Paulo Saldiva é professor titular do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Esse texto não reflete, necessariamente, a opinião do Estadão.