Gestão da vacinação por governos e pela indústria farmacêutica reproduz desigualdade geopolítica
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Desde o início da pandemia da covid-19, diversos países têm se dedicado a pesquisar vacinas que combatam o Sars-CoV-2. Mas se o objetivo comum na busca pela vacina trouxe algum otimismo, o clima de cooperação logo deu lugar à competição de mercado.
A descoberta de vacinas em tempo recorde dependeu de um parque tecnocientífico desenvolvido e expertise nessa área. Por isso, dos 193 países reconhecidos pelas Nações Unidas, apenas 11 estão entre os capazes de pesquisar, desenvolver e produzir vacinas em larga escala.
Tanto quanto a produção, a distribuição das vacinas é um problema. A desigualdade no acesso às doses revela uma assimetria brutal entre os países. Mas o que está por trás disso?
O mercado funciona sob a lógica da multilateralidade: tanto quanto possível, o governo não deve impor uma agenda ao mercado. Em vez disso, deve permitir que ele se autorregule entre os diversos atores e só intervir em casos bastante específicos. Quando isso não ocorre, diz-se que o governo é protecionista: usa seu poder de negociação para proteger determinados interesses do país, ferindo a “regra do jogo”.
Mas se essa política é polêmica em se tratando de commodities ou produtos fabris, o que dizer quando vale vidas? Afinal, é isso que a vacina garante. Ao direcionar imunizantes para sua própria população ou para países parceiros, os produtores dessas doses criam um problema bioético sem precedentes e ratificam que o dinheiro e a influência política salvam vidas diretamente.
O que fazer diante do problema? Não há regulação para a questão, o que dificulta o debate, mas é fato que há uma distorção no fato de Reino Unido, Israel, Estados Unidos e Uruguai vacinarem adultos e outros países sequer terem iniciado faixas etárias de grupo de risco.
Atualmente, dez países concentram três em cada quatro vacinados contra o coronavírus, o que aponta que, até agora, a regra de “cada um por si” tem prevalecido.
Diante da constatação de que os órgãos internacionais não são capazes de criar uma política de governança eficaz sobre a vacinação, os insumos passam a ser usados de forma preferencial na população de quem produz os imunizantes e de aliados. Não só o dinheiro, mas boas amizades parecem valer ouro em meio à pandemia.
Isso acontece no caso de países cujos governos têm agendas mais heterodoxas, como Índia, China e Rússia, mas também em blocos geopolíticos, como a União Europeia. O Reino Unido vacinou proporcionalmente quatro vezes mais que a Alemanha, por exemplo.
Mas não são apenas os governos que têm procurado conseguir ganhar vantagem diante dos imunizantes. Há no mundo hoje grandes corporações farmacêuticas que lutam pela manutenção das patentes em meio à crise sanitária.
Se é verdade que a legislação e os acordos internacionais garantem a propriedade intelectual sobre descobertas científicas e tecnológicas, é fato também que isso não deveria estar acima da necessidade de imunizar as 8 bilhões de pessoas que habitam o planeta.
Há diversos países com infraestrutura para replicar a produção da vacina, mas que precisariam do licenciamento compulsório (popularmente, a “quebra da patente”) durante o período crítico da pandemia. Essa é outra queda de braço em que o dinheiro parece levar vantagem sobre populações inteiras.
Fonte: Saude Business, Estadão.