Psiquiatra Rafael Bernardon Ribeiro já tinha ocupado esse cargo e a chefia do serviço de eletroconvulsoterapia em São Paulo
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Nesta quinta-feira (18), o Ministro da Saúde Eduardo Pazuello voltou aos noticiários. Dessa vez, não por problemas políticos e logísticos ligados à vacinação contra a covid-19, mas pela nomeação do psiquiatra Rafael Bernardon Ribeiro para exercer o cargo de Coordenador-Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério.
Mas, diferente de outras nomeações do governo Bolsonaro criticadas por não respeitar um critério técnico, o próprio Ministro Pazuello enfrentou resistência por não ter formação e experiência na pasta que assumiu em meio a uma pandemia, Ribeiro é um psiquiatra com cerca de 20 anos de carreira, professor universitário e que já ocupou a mesma função entre 2017 e 2018.
A polêmica, nesse caso, refere-se ao fato de que o novo coordenador-geral seria um “entusiasta” da eletroconvulsoterapia, técnica que foi usada por muitas décadas do século XX com inúmeros casos documentados de desrespeito aos direitos humanos.
Segundo o psiquiatra Marcos Bovo, houve, de fato, situações em que a eletroconvulsoterapia foi usada sem indicação médica adequada. “Historicamente, os manicômios serviram como prisão e ‘depósito de pessoas’, em vez de espaços terapêuticos, e o tratamento dado à saúde mental conviveu com abusos do saber médico”, Bovo disse.
No entanto, esse tipo de método de tratamento tem validade para casos graves e refratários, em que outras possibilidades terapêuticas não tiveram eficácia no acompanhamento clínico. Por isso, para Bovo, não faz sentido ser contrário ao método que é conhecido popularmente como “choque elétrico”.
“A eletroconvulsoterapia é uma técnica válida, com indicação médica em casos específicos. Os abusos que ocorreram sob o uso desse instrumento são tão reprováveis quanto aplicar outros métodos inapropriadamente, como contenção em leito, injeção de adrenalina ou choque cardíaco”, comentou o psiquiatra.
Por outro lado, também não faz sentido em se dizer entusiasta do método. “Hoje, a eletroconvulsoterapia é feita sob supervisão de um psiquiatra, de um anestesista e de outros profissionais, com anestesia geral e poucos efeitos colaterais. E, ainda assim, é sempre o último recurso a ser cogitado”, ele explicou.
Para o profissional, a reforma psiquiátrica brasileira surgiu como um movimento para se opor a métodos que feriam a dignidade do paciente. Mas deve-se ter cuidado para não polarizar embates políticos em torno desse método que não corresponde à realidade atual da Rede de Assistência Psicossocial.
Segundo Bovo, mesmo no governo Bolsonaro houve alguns avanços na área. Em 2018, ainda sob a gestão do médico Luiz Henrique Mandetta, o Ministério da Saúde publicou uma nota técnica que preconizava o fortalecimento da rede de assistência, o investimento em enfermarias infantojuvenis e a criação de um CAPS AD IV (relacionado ao consumo de álcool, crack e outras drogas) — pautas também defendidas pelo campo que animou a reforma psiquiátrica no Brasil.
Outro ponto do documento se referia ao fortalecimento de serviços de eletroconvulsoterapia. Esse é o departamento que Ribeiro coordena na Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, vinculada à Universidade Federal de São Paulo.
Para a jornalista Daniela Arbex, autora do livro Holocausto Brasileiro: vida, genocídio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil, o hospital colônia que funcionava em Barbacena, no interior mineiro, é apenas um exemplo do papel que a eletroconvulsoterapia cumpriu. Alas inteiras eram submetidas ao procedimento sem anestesia, revelando ser uma sessão de tortura e não um evento com finalidade terapêutica.
Por isso, a escritora defende que não é possível esquecer o significado histórico que essa prática representou no campo da saúde mental brasileira e que, em torno desse procedimento, articulam-se visões distintas sobre o encaminhamento a ser dado diante do processo de adoecimento mental.
Dessa forma, a eletroconvulsoterapia não seria neutra e apontá-la como instrumento de tratamento preferencial evocaria ecos de um passado manicomial tão recente e perturbador.
“É preocupante que as novas propostas da Política de Saúde Mental possam destituir os cuidados comunitários, proposta que está alinhada aos interesses profissionais de quem defende o modelo manicomial. Os danos podem ser incalculáveis”, avaliou a especialista.