Entenda o atual fenômeno da judicialização da saúde e seu impacto

30 de março de 2020 5 mins. de leitura
Custando mais de R$ 1 bilhão à União anualmente, o Poder Judiciário tem corrigido questões relacionadas à saúde pública

Na última década, o Brasil vem testemunhando o crescente fenômeno da judicialização das saúdes pública e privada. Entre os principais motivos estão tratamentos, procedimentos ou medicamentos específicos que os pacientes não obtiveram através do Sistema Único de Saúde (SUS) ou de um plano particular.

São estimados 1,5 milhão de processos somente nessa área hoje no País, número apresentado em declaração do juiz federal Clenio Jair Schulze, do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), publicada pela Escola Superior da Magistratura do Amazonas em 2018.

De 2008 a 2019, houve aumento de 130% do valor anual de processos na primeira instância da Justiça relativos à saúde no Brasil. A grande maioria dos casos é aceita; entre os que solicitam remédios, por exemplo, 87% favoreceram o requerente em 2015, segundo dados da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma).

A saúde no Brasil

Unidade de Saúde Pantanal - PMF/Divulgação/ND
(Fonte: PMF/Divulgação)

O SUS nasceu em 1988 e fez do Brasil o único país com mais de 100 milhões de habitantes a garantir por lei a assistência de saúde integral e completamente gratuita.

Desde então, esse setor vem se aprimorando e hoje se destaca internacionalmente em diversas especialidades, como vacinas e transplante de órgãos. Segundo o Ministério da Saúde, o Programa Nacional de Imunização (PNI) é responsável por 98% do mercado de vacinas do País, e o número de transplantes aumentou 63,85% entre 2004 e 2014.

Cerca de 70% dos brasileiros dependem do SUS; com a crise econômica e o crescente destaque do serviço oferecido pelo governo, o número de pessoas a que o sistema atenderá anualmente deverá continuar crescendo, conforme estudo encomendado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre a judicialização do setor.

Porém, o acesso ao SUS é desigual, sendo dependente dos governos municipais e estaduais. Há muitas pessoas que desconhecem os serviços disponibilizados em sua região. Por esses motivos, os planos de contratação particular são comuns.

Orçamento federal e judicialização de setor público

O crescente fenômeno de processos judiciais para reivindicar o direito à saúde acontece principalmente com os planos particulares, que são o maior alvo dos processos: 30% dos casos em primeira instância se referem a eles. Apesar de ser benéfico aos cidadãos o fato de ser possível demandar esse direito à Justiça, não é viável que a União pague, anualmente e cada vez mais, bilhões em processos judiciais.

Segundo dados do Ministério da Saúde, entre 2010 e 2016, o custo da judicialização do setor para o governo aumentou mais de dez vezes, chegando a R$ 1,3 bilhão, dinheiro que é desviado de outros programas da saúde, sem muita clareza de onde exatamente. Em matéria da Agência Brasil, o Ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta comentou que esse fenômeno acontece por conta de desorganização do sistema, falta de informatização e subfinanciamento.

(Fonte: Angelo Baima/PSA)

Características dos processos sobre saúde

Os processos podem levar de meses a anos, portanto são mais interessantes para os pacientes com questões não emergenciais. Comumente, são demandados medicamentos já disponibilizados na rede pública, mas que não chegam ao cidadão por motivos circunstanciais, uma versão mais atualizada ou com diferente modo de ação de um remédio análogo, que é oferecido pelo governo.

Contornando a judicialização

Teoricamente, um dos meios mais eficazes para uma mudança nesse cenário é que sejam eleitos governantes que busquem fortalecer o SUS e as políticas públicas de saúde em geral. Outra atitude popular que pode minimizar o impacto negativo da onda de processos judiciais é a busca por maior conhecimento do SUS e dos serviços oferecidos, no intuito de um maior aproveitamento.

Conforme matéria de Tatiana Rosa na revista Consensus, um dos principais veículos de comunicação social do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), para que a falta de orçamento não inviabilize o SUS, o CNJ tem investido em atendimento de especialistas aos juízes responsáveis pelos casos, buscando erradicar decretos que são prejudiciais ao Estado pelo desconhecimento geral do Sistema.

Na última década, vêm surgindo os Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NAT-Jus), grupos de especialistas selecionados para subsídio na tomada de decisões dos magistrados em casos relacionados à saúde.

Ainda na matéria de Rosa, o ex-Ministro da Saúde, Ricardo Barros (governo Michel Temer), é citado ao assegurar a importância de remover o excesso de burocracia da área, agilizando os processos e, ao mesmo tempo, incentivando a avaliação com auxílio dos pareceres técnicos dos especialistas nos NAT-Jus.

Fontes: Agência Brasil, Ministério da Saúde, Conass.

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