Enzima conversora de angiotensina poderia ser a responsável por correlação entre remédios anti-hipertensivos e covid-19
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Desde que o Sars-CoV-2 começou a se espalhar pelo mundo, no início de 2020, especialistas em saúde estão buscando correlações entre a nova doença e outras condições de saúde; afinal, é de interesse geral entender quais indivíduos têm maior risco de serem infectados ou de desenvolverem quadros mais graves da covid-19 à medida que um grupo cada vez maior de pessoas é impactado pela pandemia.
Nesse contexto, levantou-se a hipótese de que a hipertensão poderia ser um fator de risco, mas depois constatou-se que os verdadeiros culpados pela relação entre a pressão alta e a covid-19 poderiam ser os remédios receitados. Essa ligação seria preocupante considerando que uma boa parcela da população apresenta quadros hipertensivos e faz uso de medicamentos para controlá-los.
Quanto à hipertensão em si, um estudo publicado pela revista Internal Medicine, da Associação Médica Americana, acompanhou mais de 200 pacientes infectados pelo novo coronavírus. Dos 84 indivíduos que desenvolveram síndrome respiratória aguda grave, 27,4% tinham hipertensão.
À primeira vista, os números indicam uma relação entre as duas condições, porém os autores da pesquisa explicam que ela não é de causa e efeito. Na verdade, o fator de risco para os sintomas mais graves de covid-19 nos pacientes observados foi a idade, considerando que “a hipertensão é extremamente frequente em idosos”.
Esse parecer é semelhante ao de um texto divulgado pelo American Journal of Hypertension. Não existem evidências conclusivas de que hipertensos sejam mais infectados pela covid-19 ou desenvolvam sintomas mais graves da doença apenas por causa dessa condição.
A hipótese de que o responsável pelos índices de covid-19 em hipertensos seriam os remédios administrados a esses pacientes foi levantada nos primeiros estudos sobre a relação entre as duas doenças. Embora os autores tenham sido bem claros de que era apenas uma suposição e que precisava ser estudada mais a fundo, foi o suficiente para que muitas pessoas ficassem preocupadas com a possibilidade.
Como surgiu tal linha de pensamento? A resposta está na enzima conversora de angiotensina. Análises anteriores descobriram que o Sars-CoV-2 se liga a esse receptor para entrar nas células. Considerando que remédios anti-hipertensivos inibem essa substância orgânica, teoricamente poderiam facilitar o acesso do vírus.
Outros pesquisadores levantaram uma possibilidade exatamente contrária: a relação dos anti-hipertensivos com a enzima contribuiria para “reduzir a inflamação sistemática, particularmente no pulmão, coração e fígado”. Contudo, como explica o jornal médico norte-americano Medical News Today, nenhum dos pesquisadores testou suas hipóteses em pacientes — trata-se apenas de conjecturas.
Em vista disso, a recomendação das autoridades de saúde é manter os tratamentos para hipertensão, mesmo com remédios inibidores da enzima conversora de angiotensina. Afinal, parar o tratamento de forma abrupta pode ser até mais perigoso do que contrair a covid-19.
Dados mais conclusivos sobre os remédios para pressão alta foram publicados no início de maio pelo New England Journal of Medicine, que divulgou três estudos conduzidos por três equipes em diferentes países e períodos. O primeiro analisou dados clínicos de quase 9 mil pacientes que testaram positivo para o Sars-CoV-2 em 169 hospitais de 11 países entre dezembro de 2019 e março de 2020.
O segundo é um estudo de caso envolvendo mais de 6 mil pacientes de covid-19 na Lombardia (Itália), cujos registros foram comparados com os de 30 mil indivíduos como grupo de controle. Por fim, outra equipe de cientistas analisou informações de mais de 12 mil pacientes do sistema de saúde da Universidade de Nova York com e sem covid-19.
O editorial que revisa os três estudos afirma que os cientistas chegaram a conclusões semelhantes: não existem evidências suficientes para comprovar a hipótese de que os remédios para pressão alta que inibem a enzima conversora de angiotensina estão associados a um risco maior de infecção pelo vírus Sars-CoV-2 ou ao desenvolvimento de sintomas mais graves da covid-19.
A publicação pondera que as pesquisas apresentam “fraquezas inerentes”, por serem baseadas em observação de dados, mas que é “reconfortante” que cheguem à mesma conclusão de que “é improvável” que o uso de remédios para pressão alta seja prejudicial para pacientes com covid-19. O texto também pontua que vários outros estudos menores, na China e no Reino Unido, chegaram ao mesmo entendimento.
Fontes: New England Journal of Medicine, Medical News Today, PebMed e Estadão