Ptofobia: O medo que pode abalar a qualidade de vida dos idosos - Summit Saúde

Ptofobia: O medo que pode abalar a qualidade de vida dos idosos

29 de maio de 2025 9 mins. de leitura

Condição gera um ciclo negativo em que a limitação de movimentos reduz o condicionamento físico, favorecendo tombos Por Mônica Manir – editada por Mariana Collini em 29/05/2025  Estudos mostram que um em cada três idosos no mundo tem risco de cair pelo menos uma vez ao ano. A convivência com avós e pais envelhecidos mostra […]

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Condição gera um ciclo negativo em que a limitação de movimentos reduz o condicionamento físico, favorecendo tombos

Por Mônica Manir – editada por Mariana Collini em 29/05/2025 

Estudos mostram que um em cada três idosos no mundo tem risco de cair pelo menos uma vez ao ano. A convivência com avós e pais envelhecidos mostra que essa estatística está cada vez mais palpável. Arranhões, hematomas, torsões e fraturas após um tombo vêm dominando as conversas em reuniões de família e nas salas de espera de clínicas geriátricas. O que não se revela tão evidente, mas pode até ser mais limitante que a própria queda, é a ptofobia – o medo exacerbado de cair.

A palavra vem do grego ptôsis (queda) e phobos (medo). Na versão em inglês, seria fear of falling ou FOF. Identificada nos anos 1980 pelos geriatras Bernard Isaacs e John Murph, da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, a ptofobia consiste numa síndrome que atinge de 40% a 70% daqueles que já caíram. É um medo intenso de ficar em pé ou andar, mesmo quando não há qualquer evidência de comprometimento neuromuscular que justifique esse sentimento.

“Trata-se de uma restrição desproporcional à condição física da pessoa”, diz a fisioterapeuta Flávia Moura Malini Drummond, especialista em gerontologia pela Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). “A pessoa deixa primeiro de fazer as coisas fora de casa e depois vai limitando aquelas dentro de casa, o que gera um ciclo negativo, porque ela perde força muscular e fica descondicionada, aumentando a probabilidade de cair.”

Segundo Flávia, a síndrome se manifesta mais em pessoas que convivem com problemas psiquiátricos como ansiedade e depressão. “A ansiedade é uma preocupação excessiva com coisas que ainda não aconteceram, e é justamente essa preocupação excessiva que ocorre no indivíduo que tem pavor de cair”, diz a fisioterapeuta.

Indivíduos com baixa resiliência, que não conseguem modificar suas atividades nem alterar a perspectiva em relação ao envelhecimento, também podem desenvolver a ptofobia. A mente fica coalhada de pensamentos negativos, e movimentar-se minimamente no mundo parece perigoso demais.

As pesquisas mostram maior prevalência da ptofobia nas mulheres, mas há condições a serem avaliadas nesse filtro por gênero. As mulheres vivem mais tempo e, portanto, estão mais sujeitas a quedas. Também estão mais propensas a desenvolver depressão e apresentar transtornos de ansiedade. “Mas a gente acredita que os homens, ainda que tomados pelo medo exagerado, subestimem esse relato”, afirma Flávia.

Um dos maiores desafios dos profissionais de saúde em relação à ptofobia é exatamente detectar a dimensão desse medo. Para a fisioterapeuta e também gerontóloga Mônica Perracini, professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Gerontologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e coordenadora do Grupo PrevQuedas Brasil, há que se diferenciar a ptofobia da preocupação com a possibilidade de cair.

“Essa preocupação não é inerentemente ruim, pode ser inclusive uma estratégia de proteção”, ressalva. A pessoa reconhece que está envelhecendo, que está mais instável e que outras ao redor já sofreram com quedas. “A experiência com o próprio corpo e com a experiência vicária, que é a capacidade de aprender através da observação de outras pessoas, vai dando a medida de quanto o copo está cheio e do quanto está vazio”, afirma Mônica. A considerar esse volume de vulnerabilidade, talvez seja o caso, por exemplo, de se sentar para colocar o sapato, evitar sair quando estiver chovendo e deixar todos os vasos à mão para a rega do dia.

Já a ptofobia é uma desproporção entre o equilíbrio estrutural de uma pessoa, que aparentemente está ok, e a preocupação descomunal com a queda. A situação piora se um tombo anterior teve recuperação complicada. Mônica se lembra de pacientes que apresentaram trauma de face, quebra de dente da frente e dor crônica durante meses, implicando uma série de medicações analgésicas e limitação de atividade. “A cascata de coisas pós-queda pode ser muito ruim, sem que necessariamente tenha havido uma fratura extrema, como a de fêmur.” Então, só de pensar em colocar o pé no chão, o idoso com ptofobia começa a suar frio, fica ansioso, recolhe as pernas, paralisa.

Um tropeço é uma queda

Os especialistas sugerem, em geral, duas frentes de tratamento para esse medo patológico: uma é o encaminhamento do idoso para um psiquiatra, que vai avaliar a necessidade de medicação de combate à fobia. Outra é a orientação educacional, tanto para o risco de quedas quanto para o medo – a começar pelo próprio conceito de queda.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), queda é o deslocamento não intencional do corpo para um nível inferior à posição inicial, com incapacidade de correção em tempo hábil. “Se a pessoa está sentada no vaso sanitário e escorrega, isso é queda, assim como se tropeça e busca apoio na parede”, exemplifica Flávia. Ou seja, a primeira lição é que não é necessário se esborrachar no chão para o idoso ser percebido como “caidor”. O acúmulo de tropeços já indica que algo está fora do prumo com o organismo.

A partir de relatos mais detalhados do paciente nesse sentido, o profissional de saúde pode averiguar a quantas andam seus sistemas fundamentais para uma caminhada segura, como o visual, o vestibular (labirinto) e o somatossensorial (percepção do toque, da pressão, da temperatura, da dor e da posição do corpo no espaço). “Uma catarata não tratada ou um diabetes descompensado pode levar a essas quedas cotidianas”, diz a fisioterapeuta Jéssica Maria Ribeiro Bacha. Paralelamente, sugere-se um treino multimodal, com exercícios de equilíbrio corporal, de resistência, aeróbicos e cognitivos.

No seu doutorado, Jéssica desenvolveu um jogo a partir de uma parceria entre as faculdades de Medicina e Engenharia da Universidade de São Paulo (USP) voltado a estimular habilidades motoras, cognitivas e sensoriais. Esse jogo não está disponível no mercado, mas sua dissertação de mestrado mostrou que certos jogos comerciais também podem funcionar para o equilíbrio postural. Uma paciente sua que havia desenvolvido ptofobia aceitou voltar a andar quando Jéssica ofereceu um passeio virtual por um safári usando um game de realidade virtual imersiva. A idosa havia ido à África com a filha, e essa informação levou a fisioterapeuta a procurar um jogo que facilitasse o engajamento da paciente à reabilitação. Numa marcha assistida, ela seguiu girafas e elefantes pela sala de casa, se divertindo com a experiência.

Bengala para quem precisa

O que também pode ser útil são bengalas e andadores, desde que bem indicados. “O dispositivo é para ter um apoio a mais ou para compensar porque a pessoa tem muita dor articular?”, pergunta Flávia. Não vale emprestar a bengala do vizinho sem saber se a altura é a ideal e se o braço do idoso é forte o suficiente para uma marcha coordenada, nem adquirir um andador do parente sem uma prescrição individualizada para um modelo fixo ou articulado.

E, se por um lado, alguns idosos ainda se negam a usar bengala por achar que ela afeta sua identidade, por outro, indicar tal dispositivo para uma pessoa com problemas cognitivos pode deixá-la ainda mais sujeita a quedas. “É aquele idoso que deixa a bengala pendurada no ar, o que só piora a situação porque ele, além de tudo, fica com uma mão a menos para se apoiar”, diz Flávia.

A aposentada Miriam Lúcia Gonçalves Evsukoff, de 81 anos, usa um andador de três rodas para passeios um pouco mais longos pela Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, onde mora – passeios em que está sempre acompanhada. Para as saídas curtas e mesmo em casa, ela costuma dispensar o dispositivo. Mas anda com cuidado e bastante preocupação desde a última queda, há três anos.

“Era meu aniversário e entrei no restaurante cantando uma música do Gonzaguinha quando minha sandália bateu num degrau e eu estatelei no chão”, lembra. “Na hora, aguentei tudo direitinho para não estragar a festa, mas estava morrendo de dor nas costelas”. A consulta no dia seguinte revelou que três delas estavam fissuradas. A recuperação foi difícil porque não havia posição para ficar. Miriam diz que chegou a paralisar a vida por medo de cair novamente, mas que a fisioterapia a ajudou, e ainda a ajuda, a continuar. “Foi tão dolorido, tomei tanta medicação, é uma coisa que não saiu da cabeça. Aquele tombo nunca mais saiu da minha cabeça.”

Quando a queda é grande, normalmente fica impossível disfarçar pelas consequências, mas não raro o idoso esconde dos médicos e da família escorregões cotidianos. Primeiro, porque acha que são normais da idade — o que não são. Depois, porque não quer ter sua independência tolhida, ainda mais se mora sozinho.

De fato, a ptofobia por vezes acomete mais a família do que o próprio idoso. É quando os filhos assumem que é necessário espalhar câmeras pela casa dos pais e que cuidadores devem restringir toda e qualquer atividade que implique movimento. O idoso, mesmo com condição física, não se levanta nem para pegar um copo d’água. Acomoda-se e, ao mesmo tempo, se fragiliza ao acreditar que, pela excessiva preocupação à volta, é mesmo muito perigoso se mexer. “Isso é péssimo porque ele pode perder toda a reserva física e, além de tudo, o risco para a queda pode aumentar”, enfatiza Flávia.

https://www.estadao.com.br/saude/quando-o-medo-de-cair-paralisa-conheca-a-ptofobia-que-pode-abalar-a-qualidade-de-vida-dos-idosos/

Foto: Visualmind/Adobe Stock

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