No mês da Visibilidade Trans, especialistas apontam a necessidade de cuidar da saúde mental desta população Por Ma Leri Janeiro é considerado o mês de conscientização sobre a saúde mental e também marca o período de reflexões sobre a importância da visibilidade trans. Dois temas que estão intimamente relacionados. Segundo o Atlas da Violência de […]
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No mês da Visibilidade Trans, especialistas apontam a necessidade de cuidar da saúde mental desta população
Por Ma Leri
Janeiro é considerado o mês de conscientização sobre a saúde mental e também marca o período de reflexões sobre a importância da visibilidade trans. Dois temas que estão intimamente relacionados. Segundo o Atlas da Violência de 2023, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), com dados de 2020 e 2021, houve um aumento de 9,5% na violência física e de 20,4% na violência psicológica contra esse grupo no Brasil nos últimos anos.
Ao olhar para o perfil das vítimas de violência, os dados indicam que a população negra é a mais impactada. Veja:
Entre mulheres trans
Negras: 58%
Brancas: 35%
Entre homens trans
Negros: 56%
Brancos: 40%
Entre travestis
Negras: 65%
Brancas: 31%
Para Jovanna Baby, um dos principais expoentes do movimento trans no Brasil e fundadora do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (FonaTrans), é fundamental olhar para a questão da raça ao falar sobre violência contra pessoas trans. “Dados mostram que mais de 78% da população trans brasileira é preta”, comenta. “E, dos casos de transfeminicídio no Brasil, a maioria tem o recorte racial”, afirma.
O advogado Júlio Mota, pós-graduado em Processo Civil pela PUC-Minas e em Relações de Gênero e Sexualidade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), observa que vários tipos de agressões estão presentes na vida de uma pessoa trans – vão desde o desrespeito ao nome social ou à identidade de gênero até à recusa de empregá-la por ser transexual ou travesti.
“A discriminação está em todos os contextos: familiar, profissional, escolar. E tudo isso contribui para que pessoas trans sejam colocadas à margem da sociedade sem conseguir, inclusive, acessar direitos básicos”, ressalta o advogado, que também é fundador do Transtornados, o primeiro time de homens trans e pessoas não binárias de Juiz de Fora (MG).
Para Keila Simpson, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), muitas vezes o adoecimento mental dessa população começa dentro de casa, entre a família – e a religião costuma ser o pano de fundo.
“Grupos que poderiam pregar que a religião é o amor, o perdão e a compaixão, não fazem isso. Eles atacam diretamente as pessoas dentro das suas individualidades”, afirma. Todo esse cenário contribui para a solidão e o isolamento dessa população.
A transfobia – como é chamada a gama de comportamentos discriminatórios contra quem é trans – tem um impacto importante na saúde dessas pessoas. O primeiro ponto de atenção diz respeito ao bem-estar emocional.
“A transfobia adoece e mata e há uma insuficiência de dados acerca de nossa população no que se refere à saúde. Devido aos processos de exclusão e preconceito, como acontece com todas as minorias, a saúde mental de nossa população é extremamente afetada”, analisa Sayonara Nogueira, secretária de comunicação da Rede Trans Brasil.
O 1° Mapeamento de Pessoas Trans do Município de São Paulo, conduzido pelo CEDEC (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea) em parceria com a SMDHC (Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania do Município de São Paulo), mostrou que os principais motivos que levaram pessoas trans a buscar tratamento psicológico ou psiquiátrico incluem a depressão (47%) e ansiedade associada a nervosismo e estresse (25%). Na sequência, vem procedimentos cirúrgicos de redesignação sexual, tanto antes quanto depois (12%), e condições como bipolaridade e esquizofrenia (10%).
Mas, também devido à transfobia, a procura por apoio de profissionais de saúde não é algo tão simples entre pessoas trans. Isso porque o estigma e preconceito frequentemente afastam essa população dos consultórios. Com isso, há atraso no diagnóstico e no tratamento dos mais variados tipos de condições médicas, não só as psiquiátricas.
Nesse mesmo levantamento, 45% da população trans expressou carência ou insegurança em relação a algum tipo de acompanhamento médico especializado. Entre as especialidades que mais fazem falta para o grupo estão endocrinologia (46%) e psiquiatria/psicologia (23%). Os motivos têm a ver com o desrespeito à identidade de gênero, a hostilidade dentro dos hospitais, além da percepção de que os profissionais são mal-informados e insensíveis em relação a necessidades específicas do grupo.
“Falta essa dimensão onde o Estado, instituições privadas e pessoas físicas se engajem, de fato, na construção de políticas para a garantia da nossa saúde mental e da vida, porque a perda da vida é uma consequência de todo um processo de adoecimento e de violação da população”, analisa Jaqueline Gomes de Jesus, doutora em Psicologia Social do Trabalho e das Organizações e presidente da Associação Brasileira de Estudos da Transhomocultura (Abeth).
O psiquiatra e psicanalista Bruno Branquinho, do Núcleo de Medicina Afetiva (NuMA), ressalta que a retirada da transexualidade da lista de transtornos mentais e a equiparação da LGBTfobia ao crime de racismo pelo Supremo Tribunal Federal foram conquistas relevantes.
“Até 2018 e 2019, os manuais de diagnóstico da saúde ainda continham o termo ‘transexualismo’. Hoje, nós já falamos de transexualidade, pois sabemos que isso não é uma patologia e, sim, uma identidade de gênero”, conta. “Portanto, acho importante também notar o avanço da discussão. Hoje em dia, fala-se muito mais (sobre o assunto) e as pessoas conseguem mais informações para entender a sua própria identidade de gênero e sexualidade.”
Uma saída para o enfrentamento das distintas violências que atingem a população trans e travesti está nos chamados grupos de acolhimento ou casas acolhedoras de pessoas LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transgêneros,Transexuais, Queers e Intersexuais).
Para Marco José de Oliveira Duarte, professor da UFJF e um dos co-fundadores do Centro de Referência LGBTQI+, pessoas trans devem ser acolhidas e cuidadas por equipes fixas e permanentes. Mais, acima disso, ele acredita que o atendimento deve ser realizado por seus pares. “Particularmente no debate da atenção psicossocial, discordo de ter pessoas que não sejam LGBTs para nos atender, porque vivemos coisas que você não vai aprender nos livros, na clínica escrita, essa clínica da experiência”.
Outro programa que tem trabalhado no acolhimento e no apoio à população trans é o “Fala Trans”. Criado em 2018, o projeto de extensão da Faculdade de Psicologia da UFJF tem a missão de não apenas oferecer um ambiente seguro e inclusivo como também desempenhar um papel crucial na promoção do bem-estar desta comunidade.
Segundo a psicóloga Alinne Nogueira Coppus, professora na UFJF e coordenadora do projeto, a ideia é oferecer suporte emocional e endereçar as diversas necessidades enfrentadas pela população. “Muitas vezes, as pessoas chegam até nós em um estado de muita fragilidade e angústia, e isso requer cuidado”, comenta. Ainda de acordo com ela, o propósito fundamental é auxiliar as pessoas trans a se aceitarem e se enxergarem como indivíduos dignos de respeito e cuidados.
*Esse conteúdo foi produzido com o apoio do Fórum Nacional de Travestis e Transexuais Negras e Negros (FONATRANS)