A tendência é que eles também se tornem cada vez mais baratos; mas há desafios para que sirvam à população em geral tão bem quanto deveriam Por Natasha Loder (The Economist) – editada por Mariana Collini em 15/07/2024 A proporção de artigos sobre pesquisa biomédica que invocam a inteligência artificial vinha crescendo exponencialmente muito antes […]
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A tendência é que eles também se tornem cada vez mais baratos; mas há desafios para que sirvam à população em geral tão bem quanto deveriam
Por Natasha Loder (The Economist) – editada por Mariana Collini em 15/07/2024
A proporção de artigos sobre pesquisa biomédica que invocam a inteligência artificial vinha crescendo exponencialmente muito antes de o campo começar a deslumbrar o mundo com os “modelos de base”, como os vários GPTs (na sigla em inglês, transformadores generativos pré-treinados) da Openai, o Llama da Meta e o Gemini do Google (veja o gráfico abaixo).
Dadas as vastas quantidades de dados que a pesquisa biomédica produz, a aplicação de IA não chega a ser uma surpresa. Esse progresso e essas promessas, porém, são um mero prelúdio para o que está por vir agora.
Sistemas de inteligência artificial semelhantes aos modelos de base e aos grandes modelos de linguagem (LLM, na sigla em inglês) – que geram textos coerentes em todos os estilos, respondem a perguntas complexas de forma bastante convincente e criam imagens que capturam ideias expressas em instruções verbais – cada vez mais fazem parte dos serviços de assistência médica.
Eles têm aplicações em quase todas as áreas: podem melhorar as escolhas que os pesquisadores fazem sobre como exatamente editar genes; são extraordinariamente bons em processar grandes quantidades de dados de fontes distintas; podem sugerir novos alvos para o desenvolvimento de remédios e inventar moléculas que possam funcionar como medicamentos. A própria CZI agora está trabalhando na construção de uma “célula virtual” movida a IA, com a qual espera revolucionar todo tipo de pesquisa biomédica.
Os efeitos não se restringem aos laboratórios. Vários tipos de diagnóstico nos quais a IA tem um papel importante parecem prontos para serem transformados. Os cirurgiões robôs estão assumindo uma gama cada vez maior de operações. A maneira como os pacientes acessam informações de saúde e se motivam para seguir tratamentos também parece prestes a ser repensada, à medida que chatbots e monitores de saúde vestíveis aprendem a trabalhar juntos. E é bem provável que a produtividade dos sistemas de saúde vá melhorar significativamente.
Os países mais pobres talvez tenham mais a ganhar. Uma geração anterior de IA já está surtindo efeitos nos cuidados de saúde desses lugares. Uma vantagem é que ela pode aumentar muito a capacidade de equipamentos bastante modestos, permitindo que sejam usados de forma mais ampla e fora das clínicas. Estetoscópios inteligentes ajudam os usuários a identificar detalhes importantes, celulares podem ser transformados em “tricorders” que medem a frequência cardíaca, a temperatura, a respiração e a saturação de oxigênio no sangue, tudo de uma vez. Fornecer orientação confiável para profissionais de saúde do mundo todo, em seu idioma nativo, é um avanço direto e revolucionário.
Se essas ferramentas forem mais disseminadas e se os sistemas de saúde forem remodelados para tirar o máximo delas, a prestação de cuidados de saúde vai ficar muito melhor. Será uma oportunidade para melhorar a vida de centenas de milhões ou mesmo bilhões de pessoas.
Alguns veem não apenas um avanço humanitário, mas também um avanço epistemológico: um tipo totalmente novo de conhecimento. A inteligência artificial pode encontrar associações e conexões em conjuntos de dados díspares, vastos e complicados demais para os humanos, sem precisar de modelos pré-existentes sobre que tipos de causas têm que tipos de efeitos. Demis Hassabis, um dos fundadores da DeepMind, uma potência de IA que agora faz parte do Google, acredita que essa capacidade vai mudar a maneira como os humanos entendem a vida em si.
Existem algumas ressalvas. Os modelos de base que alimentam tecnologias “generativas” como o ChatGPT têm desvantagens sérias. Quer você chame de alucinação, como os pesquisadores costumavam chamar, ou de confabulação, como eles preferem agora, esses modelos inventam coisas. Assim como acontece com a maioria das IA, se você as treinar com dados ruins ou inconsistentes, os resultados vão ficar aquém do esperado.
Se os dados forem tendenciosos, como muitas vezes acontece com os dados de saúde (geralmente, é mais difícil obter dados bons sobre minorias, grupos de baixa renda e populações marginalizadas), os resultados não vão servir à população como um todo tão bem quanto deveriam e poderão até ser prejudiciais para os grupos sub-representados.
A natureza “não determinística” dos modelos (eles nem sempre respondem da mesma forma ao mesmo estímulo) levanta problemas filosóficos e práticos para os responsáveis pela regulamentação dos dispositivos médicos. Termômetros e medidores de pressão arterial refletem a realidade de um jeito muito mais simples e direto.
Nada disso está impedindo o rápido crescimento do mercado de produtos e serviços de IA no campo da saúde. As grandes empresas de IA vêm demonstrando grande interesse em contratar especialistas em saúde; as empresas de saúde estão comprando IA. A Research and Markets, uma empresa de análise, calcula que em 2023 o mundo da saúde gastou cerca de US$ 13 bilhões em hardwares relacionados à IA (como chips e dispositivos de processamento especializados) e em softwares que fornecem diagnósticos, análises de imagens, monitoramento remoto de pacientes e muito mais.
A previsão é de que esse número atinja US$ 47 bilhões até 2028. Analistas da CB Insights calculam que os investidores transferiram a impressionante quantia de US$ 31,5 bilhões em financiamento de capital para IA de saúde entre 2019 e 2022. Dos 1.500 fornecedores de IA para saúde, mais da metade foi fundada nos últimos sete anos.
A digitalização da assistência médica também teve sua cota de desilusões caras. Mas existe uma possibilidade concreta de a IA corresponder à parte das esperanças nela depositadas. Interfaces mais simples devem deixar os sistemas de IA mais úteis e intuitivos para médicos, pacientes e prestadores de cuidados de saúde. E os sistemas de saúde necessitam urgentemente de um aumento de produtividade se quiserem se adaptar e melhorar em um mundo de custos elevados e de populações mais idosas.
Prevê-se que a escassez de profissionais de saúde chegue a quase 10 milhões até 2030 – cerca de 15% de toda a força de trabalho atual no mundo inteiro. A inteligência artificial não vai resolver esse problema sozinha. Mas pode ajudar.
Esta série de reportagens vai analisar quatro das formas sob as quais essa ajuda pode vir. A IA já ajuda médicos a fazerem diagnósticos – um auxílio dolorosamente necessário, dado que 800 mil americanos morrem ou ficam incapacitados todos os anos por causa de más decisões médicas. E também ajuda pacientes que querem compreender seus sintomas ou que precisam de assistência e motivação para se manterem saudáveis. As ferramentas de pesquisa e manuseio de dados ajudam empresas que tentam desenvolver novos tratamentos de forma mais rápida e confiável. E a IA ainda ajuda o sistema como um todo.
Os sistemas de saúde de hoje estão drasticamente limitados pela escassez de trabalhadores e de conhecimento. A inteligência artificial pode fornecer um apoio significativo em ambas as frentes – e esse apoio pode ser transformador. Será que tal transformação vai fazer com que, até 2100, todas as doenças sejam prevenidas, curadas ou controladas? A IA não vai fazer tudo isso sozinha. Mas está fazendo com que esse objetivo aparentemente presunçoso pareça mais provável.
Os debates sobre o impacto da IA estão repletos de medo e inquietação, às vezes por bons motivos. O que ela oferece para a saúde de todo o mundo representa um potencial radical para o bem – e para sempre. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
Foto: Timo Lenzen/The Economist