Medicamentos não oncológicos podem matar células cancerígenas

12 de março de 2020 5 mins. de leitura
Estudo realizado em células cancerígenas revela cerca de 50 compostos utilizados para outros fins, mas que podem ser eficaz no tratamento da doença

De acordo com uma pesquisa publicada na Nature Cancer, revista científica sobre oncologia, foi constatado que medicamentos não oncológicos podem ajudar no tratamento de pacientes com câncer.

A equipe de cientistas liderada pelo oncologista Steven Corsello realizou a descoberta por meio dos medicamentos agrupados no Broad’s Drug Repurposing Hub, repositório estadunidense fundado pelo próprio Corsello, no Broad Institute, em 2019, especificamente para subsidiar pesquisas como essa.

Medicamentos redirecionados

Existem diversos medicamentos, como a aspirina (ácido acetilsalicílico), com efeitos que podem auxiliar diferentes tratamentos. O analgésico, antitérmico e anti-inflamatório sintetizado por Felix Hoffman, na década de 1970, foi objeto de pesquisas que revelaram seu mecanismo de ação e sua capacidade de inibir a agregação de plaquetas, portanto, sendo um composto que previne uma nova ocorrência de acidentes cardiovasculares, ou seja, possibilita prevenção secundária.

Por isso, o repositório para redirecionamento de drogas do Broad Institute, nos Estados Unidos, foi criado e abriga milhares de medicamentos aprovados pelo governo para uso humano e veterinário. O recente estudo que utilizou mais de 4 mil medicamentos não oncológicos do Broad’s Drug Repurposing Hub fez a impressionante descoberta de que 48 deles podem matar células cancerígenas.

Todd Golub, cientista-chefe e diretor do Cancer Program na Broad Institute e professor da Escola de Medicina de Harvard, comentou ao Science Daily, que a equipe achava “que teria sorte se achasse ao menos um medicamento não oncológico com propriedades anticancerígenas”. A surpresa foi acharem quase 50.

Como a pesquisa foi conduzida

Tumores em mama. (Fonte: National Cancer Institute/Wiki Commons/Divulgação)

Os pesquisadores utilizaram todas as substâncias existentes no repositório no momento da realização do estudo (aproximadamente 4 mil) e as testaram em 578 linhas celulares humanas com câncer. Agora já são mais de seis mil medicamentos selecionados para redirecionamento e a intenção é de que o Broad’s Drug Repurposing Hub continue crescendo, principalmente visto o sucesso da pesquisa, com potência de expandir a medicina e a farmacologia em geral.

Por meio de um sistema de marcação molecular denominado PRISM, desenvolvido pelo laboratório de Todd Golub, foi possível dispor diversas linhas celulares juntas em cada prato com um medicamento e medir imediatamente uma média das células cancerígenas sobreviventes. O objetivo dos cientistas era identificar quais das drogas no repositório eram capazes de matar as células com câncer e, ao mesmo tempo, não danificar as células saudáveis.

Como os medicamentos funcionaram

White Pink and Yellow Blister Packs
(Fonte: Pexels)

Entre as dezenas de compostos que mataram as células cancerígenas, o efeito aconteceu de maneiras diferentes e, em alguns casos, inusitadas. Enquanto a maioria dos medicamentos para câncer funciona bloqueando proteínas, foi descoberto, nessa pesquisa, que algumas substâncias podem agir nas células afetadas pela ativação de proteínas ou da estabilização de uma interação proteica. Essa descoberta abre o caminho para que sejam desenvolvidos tratamentos oncológicos com novas ações.

Independente do modo de ação, a maioria das drogas testadas agiu no câncer da linha molecular ao interagir com um alvo diferente do que se era previamente esperado delas. A tepoxalina, por exemplo, droga anti-inflamatória para uso veterinário, curiosamente matou células afetadas pelo câncer que produziam excessivamente a proteína MDR1. Essas células geralmente apresentam alta resistência ao tratamento com quimioterapia e este era um alvo totalmente desconhecido até então para a tepoxalina.

Outra importante observação realizada na pesquisa foi a previsão correta de que determinados medicamentos teriam mais efeito contra as células cancerígenas de cada DNA, de acordo com as características do genoma, como ocorrência de mutações e níveis de metilação. Com essa descoberta, tratamentos podem vir a ser desenvolvidos de forma mais individualizada, prezando pela capacidade responsiva de cada paciente.

Nessa linha, destaca-se o “Dissulfiram”, medicamento utilizado comumente no tratamento do alcoolismo por tornar o organismo hipersensível ao álcool, podendo ocasionar arritmia cardíaca, depressão respiratória, convulsões e outros problemas quando combinado com bebida alcoólica. No estudo, foi descoberto que o Dissulfiram é capaz de matar células com câncer carregando mutações que causam perda de proteínas metalotioneínas.

Novos tratamentos

Conforme Corsello, o próximo passo é voltar para o laboratório e identificar drogas que agem em benefício dos pacientes com câncer, compreendendo de que forma exatamente as células adoecidas são mortas — que é o primeiro (grande) passo para o desenvolvimento de novos tratamentos oncológicos eficientes.

A equipe de cientistas responsável pela pesquisa continuará analisando os dados resultantes e pretende ampliar seu alcance agregando mais medicamentos ao repositório e testando-os com maior número e variedade de linhas moleculares humanas.

Fontes: Drauzio Varella, Science Daily.

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