Conheça mais sobre o novo tratamento inédito na América Latina, conhecido como CAR-T
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Os tratamentos para o câncer são tão variados quanto as formas que essa doença pode ter. Contudo, existem alguns tipos que driblam todos os protocolos conhecidos de tratamento, preocupando ainda mais o paciente, sua família e a equipe médica. Esse era o caso de um aposentado mineiro de 63 anos que lutava desde 2017 contra um linfoma difuso de grandes células tipo B, que afeta o sistema linfático.
Ele já havia testado quatro linhas de terapia, sem sucesso, inclusive com resposta refratária em algumas delas. A única alternativa disponível para ele, no Brasil, era partir para os cuidados paliativos, ao longo dos meses de vida que lhe restariam.
Entretanto, a história desse paciente tomou outro rumo quando sua família entrou em contato com o Centro de Terapia Celular (CTC), instituição ligada à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e à Universidade de São Paulo (USP), com sede em Ribeirão Preto, interior de São Paulo.
No momento de sua entrada, no início de setembro de 2019, o paciente estava extremamente magro e precisava da dose máxima de morfina para suportar as dores que sentia. Cerca de um mês depois, o quadro era completamente diferente: a morfina não era mais necessária, o paciente estava voltando a ganhar peso e em vias de receber alta.
Trata-se do primeiro caso de tratamento de câncer com células CAR-T na América Latina. É um procedimento novo até mesmo no exterior, presente em poucos países, portanto ainda são necessárias novas experiências. Contudo, os primeiros resultados se mostraram bastante animadores, ainda mais nesse caso de Ribeirão Preto.
Como se sabe, o sistema imunológico é formado por linfócitos do tipo B, que produzem anticorpos, e os do tipo T, que atuam como defesas do organismo. Dessa maneira, o tratamento com células CAR T consiste em “reprogramar” os linfócitos tipo T para “atacar” as células doentes, em resumo. O nome do tratamento, inclusive, significa receptor de antígeno quimérico, na sigla em inglês.
O procedimento adotado pelos especialistas do CTC começou com a retirada do sangue do próprio paciente, para extração dos linfócitos T. Eles foram modificados geneticamente, com a introdução de um vetor capaz de reconhecer e destruir as células cancerosas. No caso de Ribeirão Preto, o alvo terapêutico era a proteína CD-19, localizada nos linfócitos B do paciente.
As células modificadas foram, então, introduzidas novamente no organismo. No dia seguinte, ele já sentia febre e, dentro de uma semana, começou a reação inflamatória conhecida como tempestade de citocinas. Sinal de que as células CAR T tinham reconhecido seu alvo e estavam agindo no sistema linfático. Nas semanas seguintes, o paciente permaneceu em observação, com melhoras consideráveis e desaparecimento de diversos sintomas de sua doença.
O tratamento foi realizado de forma compassiva; ou seja, depois que todos os outros recursos convencionais foram esgotados. Até porque, mesmo fora do Brasil, a possibilidade de tratar um câncer com células T geneticamente modificadas ainda é nova. Nos Estados Unidos, apenas em 2018 o tratamento foi aprovado pelo Food and Drug Administration (FDA), órgão norte-americano de saúde equivalente à Anvisa.
A realização desse tratamento demanda um hospital com capacidade para fazer transplantes de medula óssea e bons laboratórios, além de uma estrutura de tratamento intensivo, dados os riscos envolvidos nos procedimentos. Além disso, como suas primeiras aplicações são muito recentes, ainda não se sabe quais são os efeitos das células CAR-T no organismo em longo prazo.
Contudo, como se pode observar, os resultados alcançados até agora encorajam novas experiências. No caso brasileiro há mais um ponto positivo: a metodologia desenvolvida no CTC, em Ribeirão Preto, é 20 vezes mais barata que as disponíveis no exterior. Um tratamento com células CAR T nos Estados Unidos pode custar até 475 mil dólares, sem contar despesas hospitalares e outros custos.
Por seu trabalho, o médico brasileiro Renato Cunha, da USP, foi reconhecido pela Sociedade Americana de Hematologia e ganhou um prêmio em dinheiro, que será utilizado em novas pesquisas sobre as células CAR-T. Os próximos passos, a partir de agora, consistem em realizar novas análises que comprovem a efetividade das células CAR-T para o tratamento do câncer, bem como seus efeitos em longo prazo.
Além disso, como dito anteriormente, o paciente de Ribeirão Preto tinha como alvo terapêutico a proteína CD-19.
Portanto, é necessário testar novos vetores para tratar outros tipos de células cancerosas. Dessa maneira, os pesquisadores esperam criar uma tecnologia que torne esse tratamento mais acessível para toda a população, que possa ser disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e para outros laboratórios oferecerem a seus pacientes.
Fontes: Jornal da USP, Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia, Revista Onco.