Relatório do Unicef mostra que o declínio na vacinação infantil é o maior em 30 anos e alerta para a necessidade de medidas urgentes visando a retomada das coberturas vacinais
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O mundo registra, hoje, o maior retrocesso contínuo na vacinação infantil em três décadas. O dado é do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que divulgou, recentemente, o relatório Situação Mundial da Infância 2023: para cada criança, vacinação. O levantamento traz informações preocupantes: a cada cinco crianças em todo o planeta, uma não recebeu qualquer vacina ou não concluiu o esquema vacinal que garante a proteção contra diversas doenças.
No Brasil, de 2019 a 2021, 1,6 milhão de crianças deixaram de receber as doses de DTP (tríplice bacteriana), cuja prevenção é contra difteria, tétano e coqueluche. Globalmente, o número chegou a 48 milhões no mesmo período. Outras 700 mil foram imunizadas apenas com a primeira e/ou a segunda dose.
No caso da vacina contra a poliomielite, também chamada de pólio ou paralisia infantil, a situação é a mesma no País. Um total de 1,6 milhão de crianças não receberam nenhuma dose.
A presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), Mônica Levi, observa que a queda progressiva na cobertura vacinal se agravou na pandemia, a partir de 2020, trazendo a ameaça de retorno de doenças que já estavam eliminadas ou controladas, como a pólio, a rubéola e o tétano neonatal, entre outras.
“E o sarampo mostra que esse risco não é hipotético. É um risco real”, afirma, lembrando que, em 2019, o Brasil perdeu a certificação de eliminação da circulação do vírus, menos de três anos depois de tê-la recebido, por conta do surto que começou e cujo fim ainda não foi declarado. “Então, essa situação está nos ameaçando cada vez mais, chegando mais perto de doenças como a difteria e a poliomielite. São realmente ameaças com as quais estamos convivendo, reflexo das baixas coberturas vacinais das crianças no País”, acrescenta a médica.
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O documento do Unicef alerta para a necessidade urgente de retomada dessas coberturas e solicita aos governos, entre outras ações, que as crianças que não foram imunizadas sejam identificadas e recebam as vacinas, além do investimento em profissionais de saúde e fortalecimento da demanda por essa proteção, buscando confiança.
Os dados apontam que a confiança nos imunizantes e a avaliação de sua importância apresentaram queda em 52 países. No Brasil, a redução no número de pessoas que afirmam confiar nas vacinas foi de 10%.
Para Mônica Levi, são múltiplos os desafios e as ações de enfrentamento às baixas coberturas vacinais. Ela explica que é preciso garantir a disponibilidade e a distribuição das vacinas para todas as salas de vacina, ou seja, melhorar a logística e também o sistema de informação, para a integração da base de dados.
Além disso, a especialista cita ser importante que o Ministério da Saúde intervenha eficientemente na capacitação dos profissionais da saúde que trabalham com as vacinas, e que estes atuem de forma fixa nas salas de imunização, sem rodízio em outras atividades, preparando-os para responder aos questionamentos dos pacientes.
“Existem diversos tabus; por exemplo, a ideia de que a aplicação de várias vacinas no mesmo dia leva a uma sobrecarga imunológica. O profissional que lida com imunização tem que responder questionamentos sobre isso com clareza, de forma que a pessoa entenda e se sinta segura. Deve explicar que os eventos adversos existem, mas são, de modo geral, leves e moderados — e incomparavelmente menos frequentes e menos perigosos do que a doença que se visa prevenir”, pontua.
A presidente da SBIm acredita, porém, que o maior de todos os desafios para recobrar a confiança nas vacinas é a comunicação, a informação adequada e verdadeira, que chegue às pessoas de uma maneira convincente.
“Existem várias pesquisas voltadas a entender a hesitação vacinal e que apontam como as fake news (informações falsas e negativas sobre as vacinas) espalham, com uma rapidez incrível, o medo e a insegurança. Essa foi, para mim, uma das consequências mais importantes da pandemia: a hesitação do brasileiro, que culturalmente acreditava nas vacinas, permitindo-nos manter as coberturas vacinais altas. Agora, por outro lado, doenças antes controladas e eliminadas apresentam um risco alto de retorno”, diz.
Neste mês de maio, a Organização Mundial da Saúde (OMS) manteve a poliomielite como emergência em saúde pública de importância internacional.
Para finalizar, Mônica Levi alerta para o fato de que aqueles que não se vacinam ou não vacinam seus filhos não prejudicam somente a própria família, mas sim toda a comunidade, pois permitem a circulação de agentes infecciosos. “É preciso entender que a vacinação é muito mais do que uma preocupação individual. É um ato de responsabilidade social”, conclui.
Fontes: Unicef, Selo Unicef, Agência Brasil, EBC