Covid-19: Brasil ainda está no início do surto

10 de maio de 2020 6 mins. de leitura
Estudo da Imperial College, de Londres, mostra que medidas de isolamento estão ajudando, mas deveriam ser mais severas

Em meio a discussões entre especialistas e disputas políticas acerca das medidas de isolamento para contenção do novo coronavírus — muitas pessoas acreditam que elas devem ser relaxadas, enquanto outras defendem sua manutenção —, a Imperial College, de Londres, trouxe uma análise sobre o assunto. Em relatório publicado em 8 de maio, especialistas da instituição afirmaram que o surto de covid-19 no Brasil ainda está no começo, e a doença está “fora de controle” nas terras brasileiras.

Além disso, por mais que as medidas já adotadas no país tenham surtido efeito, elas precisariam ser mais severas para efetivamente controlar a doença. No cenário atual, o número de casos continuará aumentando.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores da Imperial College aplicaram os dados sobre a pandemia no Brasil em modelos matemáticos, para projetar as possíveis trajetórias de três medidas epidemiológicas: o número de infecções, o número de mortes e a taxa de reprodução do vírus. Esse último dado descreve quantas outras pessoas são infectadas por cada indivíduo pela covid-19, ou seja, a intensidade da transmissão da doença.

Medidas de isolamento são insuficientes, conforme estudo

Desde a confirmação do primeiro caso de covid-19 no Brasil — no dia 25 de fevereiro, em São Paulo —, o número de casos aumentou exponencialmente. De acordo com dados divulgados pelo Estadão e atualizados no dia 8 de maio, são 156 mil casos em todo o país, com 10,7 mil mortes. Ainda em março, o governo federal decretou estado de calamidade pública em todo o país e medidas para diminuir a circulação de pessoas foram adotadas nos níveis municipal ou estadual.

Contudo, de acordo com o estudo da Imperial College, os dados mostram que essas medidas não são severas o suficiente, embora tenham dado resultado.

“As intervenções empregadas até o momento permanecem aquém dos bloqueios generalizados e obrigatórios empregados em partes da Ásia e Europa, que se comprovaram altamente efetivos na contenção do vírus”, escreveram os pesquisadores.

Mobilidade no Brasil caiu cerca de 20%, muito menos que em outros países
Mobilidade no Brasil caiu cerca de 20%, muito menos que em outros países. (Fonte: Unsplash)

Os cálculos apontam que a taxa de reprodução da doença foi entre três e quatro no início do surto no Brasil, isto é, cada infectado transmitiu a covid-19 para três ou quatro pessoas. As medidas adotadas nos estados já trouxeram resultados importantes e fizeram essa taxa diminuir sensivelmente. Porém, ela ainda está acima de um e isso, de acordo com o estudo, significa que “a epidemia ainda não está controlada e continuará a crescer”.

Dados colhidos pela Imperial College mostram que redução de mobilidade máxima em estados como Amazonas e São Paulo foi de 18% e 21% respectivamente, gerando uma taxa de reprodução de 1,58 (AM) e 1,46 (SP). Em comparação, na Lombardia, região mais afetada pela pandemia na Itália e uma das mais atingidas da Europa, essa redução foi de 75%. Como resultado, a taxa de reprodução da covid-19 nesse local caiu para 0,58.

Epidemia está mais avançada em alguns estados

Outro achado importante do relatório da Imperial College diz respeito à diferença entre os estados: “a epidemia está mais avançada em alguns estados do que em outros”, escrevem os pesquisadores. Em primeiro lugar, apenas cinco estados — São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco e Amazonas — concentram 81% das mortes em todo o País.

Em Minas Gerais, por exemplo, estima-se que apenas 0,13% da população foi infectada pelo novo coronavírus, enquanto nos estados mais afetados essa parcela varia entre 3% e 5%. No Amazonas, 10,6% das pessoas já foram atingidas pelo Sars-CoV-2.

Os especialistas da Imperial College levaram em conta o problema da subnotificação para realizar seus cálculos, chegando em dados muito maiores de contágio do que aqueles notificados pelas autoridades. Segundo eles, cerca de 4,2 milhões de brasileiros já foram infectados pelo novo coronavírus, incluindo casos assintomáticos (com possibilidades entre 3,48 e 4,7 milhões) e considerando a margem de erro. Até 8 de maio, 156 mil casos foram confirmados pelo Ministério da Saúde.

“Como sabemos que no Brasil praticamente somente os casos graves são testados, era esperado que o número de infectados superasse bastante o de casos confirmados. Em nosso estudo, avaliamos diferentes cenários sob diferentes níveis de subnotificação”, afirmou o estatístico brasileiro Henrique Hoeltgebaum, um dos autores do estudo, ao Estadão.

Dessa maneira, o Amazonas já pode estar com até 19,90% da sua população infectada, sem que as autoridades tenham conhecimento, por exemplo.

Medidas de isolamento mais severas são necessárias no Brasil
Medidas de isolamento mais severas são necessárias no Brasil, aponta estudo. (Fonte: Unsplash)

Mesmo assim, o relatório da Imperial College afirma com segurança que nenhum estado brasileiro está próximo de alcançar a chamada “imunidade de grupo“, isto é, quando uma boa parcela da população já teve o vírus e se recuperou, portanto estando imune a ele.

Estima-se que o ideal para alcançar a imunidade de grupo seja em torno de 60% a 80% da população devidamente recuperada. Dessa maneira, a recomendação é a mesma para todo o Brasil: medidas de isolamento mais restritivas precisam ser implementadas para que a taxa de reprodução da covid-19 no país caia para menos de 1 e a doença seja controlada.

Por fim, vale observar que estudos anteriores ao da Imperial College convenceram o primeiro ministro do Reino Unido, Boris Johnson, a mudar a estratégia de combate à covid-19 no país. Em um primeiro momento, o governo não implementou medidas para restringir a circulação de pessoas, buscando a imunidade de grupo. Atualmente, o Reino Unido adota o isolamento social — a região apresenta mais de 220 mil casos e cerca de 32 mil mortes, segundo dados divulgados pelo Estadão até o dia 8 de maio.

Fonte: Imperial College de Londres, Brasil Político/Estadão.

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